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quarta-feira, 6 de junho de 2018

""...BOM MESMO É IR À LUTA COM DETERMINAÇÃO, ABRAÇAR A VIDA COM PAIXÃO, PERDER COM CLASSE E VENCER COM OUSADIA. PORQUE O MUNDO PERTENCE A QUEM SE ATREVE E A VIDA É MUITO PARA SER INSIGNIFICANTE". AUGUSTO BRANCO


TEMPOS MENOS ESCUROS
CAPÍTULO DEZ
              As “Diretas Já” consistiam em um movimento político, em que a população brasileira foi engajada para cobrar o fim da ditadura militar no Brasil. Havia um grande desgaste no governo devido à alta inflação, que passava de 200% ao ano e um fraco desempenho econômico, gerando recessão. O principal objetivo era a retomada de eleições diretas para presidente da República do Brasil. Os partidos de oposição e o povo em geral, clamavam pelo fim da ditadura militar.

           O movimento teve início em maio de 1983 e se estendeu até 1984 com a mobilização de milhares de pessoas, em comícios e passeatas. Entretanto, apesar do grande apelo popular, em 1985 foi eleito o novo Presidente da República, por eleições indiretas. Tancredo Neves foi escolhido por um colegiado eleitoral, marcando o fim da ditadura militar, iniciada em 1964. No entanto, Tancredo Neves morreu antes de assumir a presidência do país.

             Ainda em 1985 houve o primeiro Rock In Rio, que enlouqueceu os amantes do rock. Maria Alcina e Fred fizeram questão de levar Alberto e Alice, para assistir ao show no Rio de Janeiro. Alberto com quinze e Alice com treze anos ficaram encantados com as bandas e os cantores, que se apresentaram no evento. Frederico dizia que estava levando os filhos em eventos musicais, para apurar o gosto de cada um.

          Enquanto eles gritavam extasiados com as bandas, que se apresentavam na noite carioca, uma lua enorme brilhava lá no céu. Alberto viu e lembrou-se de sua mãe e as histórias que ela contava para ele e Alice, sobre as noites de lua cheia. Na volta para casa, ele cutucou Maria Alcina e lhe perguntou:

             - Mãe, será que esta noite alguém virou lobisomem? Ela sorriu e respondeu:

           - Provavelmente, a noite está propícia; a lua está cheia, do jeito que deve ser.

            Frederico fez uma careta, não concordava com as histórias que sua esposa contava, mas, as crianças gostavam e ele deixava que dessem asas à imaginação.

            - Histórias de lobisomem eram instigantes e todas as crianças tinham curiosidades a respeito, pensou Fred.

           E, continuou dirigindo sob um forte luar, estava feliz com sua família. Um silêncio se fez presente no automóvel e Alice se aconchegou ao seu irmão, estava claro que aquela conversa a deixava temerosa.

              José Sarney, o vice de Tancredo, assumiu o governo, cujo mandato foi dedicado ao combate à inflação e promoveu o estabelecimento de uma nova Constituição, que foi promulgada em 5 de outubro de 1988.  
            No mundo, com o fim da guerra fria, a grande conquista foi a queda do muro de Berlim em 1989, uma vergonha para a humanidade, que incomodava o mundo moderno.

               E, em meio ao caos na economia brasileira e a muitos seguimentos em greves, foi realizada a primeira eleição direta após a ditadura militar. O vencedor foi Fernando Color de Melo, que pregava a caça aos marajás, empossado em março de 1990.

            Marajás, era uma alusão a vida boa que os deputados, senadores e outros funcionários públicos desfrutavam no governo, sem ter mérito nenhum.
No entanto, o novo presidente surpreendeu toda a população, confiscando as cadernetas de poupança, o que gerou uma perplexidade inédita no país. Ninguém esperava por medidas tão radicais em nome de um novo plano econômico, que mais uma vez fracassou.

         Ciente da gravidade da situação, o presidente convocou a população para sair as ruas de verde e amarelo com o intuito de apoiá-lo. Mas, o povo, revoltado, saiu às ruas vestidos de preto, com as caras pintadas com as cores da bandeira do Brasil. Esse movimento ficou conhecido como: “Os caras pintadas”.

            Neste protesto, havia famílias inteiras pedindo o afastamento imediato do presidente. Entre eles estavam Fred, Maria Alcina, Alberto e Alice praticando a cidadania, enrolados na bandeira do Brasil. Desde cedo as crianças acompanhavam os pais em atos cívicos e tinham um grande sentimento patriótico.

            O movimento, que contava com grande parte da juventude estudantil, foi fundamental para o processo de impeachment de Fernando Collor, que renunciou horas antes de ser cassado em dezembro de 1992. E, foi no governo de seu vice Itamar Franco, que foi implantado o plano real, que conseguiu deter a inflação. Depois dele, em 1995 assumiu Fernando Henrique Cardoso, eleito pelo povo.

            No início do ano 2000, Alberto se formou em advocacia e casou-se com Marta, uma antiga namorada. E, adentram ao novo milênio com Fernando Henrique Cardoso no seu segundo mandato. Alice estava fazendo faculdade de medicina e logo se casaria também.

             Em dois mil e três, quando nasceu o primeiro filho de Alberto, o pequeno Tobias, assumiu a presidência do Brasil Luís Inácio Lula da Silva. Em dois mil e cinco nasceu Dulce e, em dois mil e sete Renato, completando, assim, a família de Alberto, um dos caras pintadas do movimento pró impeachment.

               O primeiro mandato do presidente Lula foi um sucesso junto aos mais carentes, que foram conquistados com programas sociais bem articulados. No entanto, no segundo mandato surgiram as denúncias de corrupções e escândalos, que se arrastaram até a vitória da candidata de Lula, Dilma Roussef.

           A primeira mulher eleita pelo povo assumiu a presidência do Brasil em 2010 e se reelegeu em 2014 entre muitas denúncias de corrupção e desvio de dinheiro por parte de seu partido. Posteriormente, muitas denúncias foram confirmadas.

          Novamente, o povo cansado de assistir à escalada da corrupção, voltariam às ruas para pedir o impeachment de Dilma Roussef. Havia uma convocação geral nas redes sociais, para mais uma passeata, agora, pedindo o impeachment da presidente.

             Alberto e Marta, com seus três filhos em idade escolar, decidiram participar do movimento de protesto contra os desmandos da presidente e o partido dos trabalhadores, o PT. As crianças ficaram exultantes, queriam muito participar daquele evento.

Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 30 de maio de 2018

"MESMO QUANDO TUDO PARECE DESABAR, CABE A MIM DECIDIR ENTRE RIR OU CHORAR, IR OU FICAR, DESISTIR OU LUTAR". CORA CORALINA


QUE NOSSA DOR VIRE AMOR
CAPÍTULO NOVE
           Maria Alcina, com seu filho Alberto no colo, viu nascer o ano de um mil novecentos e setenta e um. Eram tempos difíceis e de muitas mudanças. As pessoas tinham medo de doenças, de guerras, da polícia, dos governantes, e de assombrações. Mas, viviam melhor porque o mundo era menor, as informações demoravam para chegar e havia tempo para absorver as novidades.

           Os jovens cresciam, emocionalmente, no tempo certo. Aguardavam o grande amor e embalavam muitas fantasias a respeito de relacionamentos. Enquanto o sexo era um tabu e ficava somente no desejo das revistas de pornografia, conseguidas através de amigos de outros amigos, que continham segredos incontáveis, o amor estava no ar. Estas revistas só poderiam serem vistas nos banheiros, escondidas nos fundos dos guarda-roupas e fechadas a sete chaves. Era o instrumento que os rapazes utilizavam para dar asas à imaginação.

             Desejavam amar sem medo de se comprometer ou de sofrer por amor. Tempo em que homens e mulheres se davam o devido valor e se respeitavam. As moças ainda sonhavam com um príncipe, já sem muito encanto, mas, ainda um príncipe.

             Ninguém se preocupava com o efeito estufa e o ozônio ainda estava em seu devido lugar. O meio ambiente ainda respirava sozinho, havia equilíbrio entre a flora e a fauna.  Os rios continham oxigênio suficiente para a sobrevivência de seus peixes. Computadores eram caixas enormes, restritas as empresas dedicadas à corrida ao espaço, nos Estados Unidos da América.

           No Brasil, o que havia de mais moderno era a chegada da televisão em cores nas grandes cidades. No entanto, a maioria tinha televisão em preto e branco e cuja programação terminava a meia-noite. Não havia celulares e era raro quem tinha telefone em casa.   Todos deveriam andar com algum documento no bolso, pois, se a polícia os parasse e não tivessem identificação, seriam levados presos.

           Os jovens se divertiam nas discotecas e os adolescentes com jogos de diversos tipos. Os mais novos jogavam birocas, feitas no chão duro de terra com bolinhas de aço, tiradas dos carrinhos de rolimãs, ou bolinhas de gude feitas de vidros. Soltavam pipas ou jogavam futebol, em campinhos improvisados em terrenos baldios. Já os que tinham acesso ao clube local jogavam voleibol, basquetebol, tabuleiros de damas ou xadrez e outros.

                Estavam sempre em turmas heterogêneas, gostavam de se divertir juntando os meninos e meninas, que formavam grupos alegres. Um jovem, ter amizade com outro menino ou rapaz e até andar o tempo todo juntos, era comum. No entanto, sua masculinidade não era posta em jogo. As moças tinham amizades com outras moças e andavam de mãos dadas com as amigas, entretanto, ninguém dizia que éramos lésbicas; isso estava fora de cogitação.

           Todos respeitavam os mais velhos, estes tinham o carinho dos filhos e netos e eram sempre ouvidos nas decisões familiares.  Os jovens demonstravam seu respeito, cedendo-lhes os bancos para que viajassem sentados nos coletivos. Os idosos tinham prioridade nas filas e eram auxiliados a atravessar as ruas. Sempre encontravam alguém para carregar suas sacolas. Essas atitudes faziam parte da educação recebida em casa e não era imposta por leis.

           Os jovens eram bastante emotivos e se apaixonavam com facilidade. E, eram os amigos ou amigas que intermediavam o primeiro encontro. Os namoros eram sérios e a maioria queria se casar com a menina certinha da escola ou da sua rua. Havia mais cuidado com os namoros, que eram mais calmos e discretos. Eram menos impetuosos e dar uns beijos no escuro, era o máximo de uma conquista. Não poderia passar disso ou a jovem ficaria falada e ninguém mais a queria.

             Nos finais de semana frequentavam as discotecas, faziam os bailinhos nas casas dos amigos ou ficavam ouvindo músicas até tarde da noite. Aguardavam os anos dois mil, prevendo grandes acontecimentos futuristas.

           As vestimentas usadas no início dos anos setenta tinha como moda, na classe média, as calças jeans, muitas eram importadas dos Estados Unidos. Este era um fato que causava inveja aos menos abastados, pois, eram calças desbotadas e com um brim diferente do nacional. As calças bocas de sino, os sapatos plataforma, os tênis tinham, também, seu lugar assegurado entre os jovens.

            Nesse contexto, era formada a família de Fred e Maria Alcina, que já anunciava uma nova gravidez. Quando Alberto tinha dois anos nasceu a Alice, uma menina linda, na casa do casal Fred e Maria Alcina.

           O tempo passou rápido em meio aos acontecimentos mundiais, tais como: a crise do petróleo e a recessão nos Estados Unidos. No Brasil, a música popular brasileira (MPB) ganhou corpo e se instalou definitivamente no gosto da sociedade, tendo grande aceitação. A separação dos membros da banda dos Beatles e as músicas de Elvis Presley tocando em todas as rádios e discotecas, pontuaram o final da década de setenta.  

            Por aqui surgiram as passeatas pelas diretas já, um anseio do povo pelo fim da ditadura. A sinalização, por parte do governo, de uma abertura democrática agitava os meios políticos e o povo saia as ruas. Os hippies alienados andavam pelas grandes capitais.

        Finalmente, os anos oitenta surgiram com acenos de novos tempos, menos escuros para o país. E as duas crianças, Alberto e Alice, estavam crescidos e frequentando as escolas, onde aprendiam que as lutas do povo, devem ser pacíficas e unidas com demonstrações de civilidade.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa
      


quarta-feira, 23 de maio de 2018

"APAVORADO ACORDO, EM TREVA. O LUAR É COMO O ESPECTRO DO MEU SONHO EM MIM. E SEM DESTINO, E LOUCO SOU O MAR PATÉTICO, SONÂMBULO E SEM FIM." VINÍCIUS DE MORAES

O VÉU DO LUAR
CAPÍTULO OITO
           Durante os últimos meses aconteceram muitas mudanças e a discoteca chegou à pequena cidade. Havia uma necessidade de diversão, para compensar anos difíceis e conturbados no contexto mundial. Aos sábados à noite, a festa ficava por conta da nova discoteca, que acontecia no antigo salão de bailes da comunidade. O local fora remodelado, mas ainda tinha característica de salão de festas familiares.

        O clube era um lugar simples e acolhedor, o único da região. Aos domingos, depois da missa dominical, os homens jogavam bocha, enquanto as mulheres ficavam em casa preparando o almoço. Os rapazes jogavam futebol e as meninas se divertiam com o voleibol, na quadra ao lado da piscina.

            Maria Alcina estava eufórica, pois seu casamento seria realizado naquele salão, que para ela tinha um sentido mágico, pois, enfeitava seus sonhos. O local já fora palco para muitas festas e a maioria das pessoas o conheciam muito bem. Tudo fora preparado para ser uma grande festa com muita comida, música e danças. Ela era a filha mais velha de oito irmãos e seus pais estavam muito felizes, por casar a filha querida.

            Entretanto, havia uma preocupação e muito medo corroendo os pensamentos da noiva.  Ela constatou que sua menstruação estava atrasada e se assustou. O seu maior temor era que sua mãe desconfiasse. Não poderia sequer imaginar a reação de seu pai, que mantinha vigilância constante sobre o casal. Mas, quanto maior a vigilância maior é a tentação, já dizia a sua avó.

             Na primeira oportunidade, ela cedeu a tentação do sexo e se entregou ao Frederico. Foi uma relação rápida e furtiva, no canto escuro da porta, na hora da despedida. Num silêncio contido, eles conheceram o sabor da paixão. Não pensaram nas consequências e, a moça perdeu o sossego; sentia-se encurralada.

            – Que falta de sorte! Fora apenas um deslize, gemia inconsolável olhando para o noivo, que não sabia o que dizer.

           Ambos estavam culpados pela transgressão e não poderiam procurar o médico para obter esclarecimentos.  E, muito menos dividir com alguém tamanha preocupação. Era um assunto proibido, que ficava escondido entre eles. Ela estava encrencada com a possibilidade de uma gravidez inoportuna.

      A comunidade tinha um forte laço com a Igreja católica e todos respeitavam os ensinamentos e tradições da casa de Deus. Uma coisa não saia da cabeça de Maria Alcina, já não era mais uma moça pura e não poderia usar um véu branco cobrindo sua cabeça, pois, era privilégio das virgens. Assim, se estivesse grávida e cobrisse a cabeça com véu branco, estaria cometendo um duplo pecado terrível.

            Ela conseguiu esconder a falta da menstruação, fingindo estar com cólicas, que tinha mensalmente. Doralice nada percebeu e a filha ganhou tempo. Faltava, ainda, dois meses para o casamento e ela conseguiria esconder sua gravidez, que com o passar dos dias se confirmava.

           A jovem sentia náuseas e enjoos matinais, mas escondia de todos e vomitava, em silêncio, no banheiro. Com tantos vômitos ela emagreceu ao invés de engordar e com isso, disfarçava bem. Dizia que a proximidade do casamento a estava deixando nervosa e sem apetite.

            Faltando um mês para o enlace matrimonial, o vestido de noiva estava pronto e o véu também. O véu cobria a cabeça preso com uma tiara e descia até o chão. Ela teria que encontrar uma maneira de descobrir sua cabeça; esse pensamento a atormentava dia e noite. Porque assim, ela não cometeria um pecado e pouparia seus pais de passar vergonha, pois, quando descobrissem iriam acusa-la de herege.

            Certo dia, Fred foi a capital e trouxe uma revista de noivas para Maria Alcina, que olhava desesperadamente todos os véus. Queria encontrar uma solução para o seu problema. Nessa procura ela encontrou uma noiva com um birote no cabelo, preso atrás da cabeça, circundado com flores do casquete. Era a solução que ela procurava, então, mostrou para sua mãe dizendo que queria fazer igual o cabelo da revista.

Houve muita resistência, mas, alegando que era moda, sua mãe acabou cedendo. E, no grande dia a noiva saiu do carro com a cabeça coberta, apenas, com o véu do luar. Estava salva, pois, não ofendera a Deus cobrindo a cabeça com um véu branco.

             Os meses foram passando e sua gravidez já estava evidente, porém, ninguém desconfiou de nada. Maria Alcina era magra e ganhava pouco peso, à medida que o tempo passava. E, quando fez sete meses do casamento, ela passou mal e entrou em trabalho de parto.

           As comadres fizeram até grupo de orações, pois, temiam pela vida do bebê prematuro, que, segundo elas, deveria ficar na incubadora. Apesar de tantas orações não teve jeito e nasceu um lindo menino.

- O bebê nasceu antes do tempo, era o que diziam as comadres, preocupadas em vigiar a vida alheia.

Mas, quando viram o bebê, que pesava quatro quilos, rosado e cabeludo, saíram contando aos quatro cantos, que Maria Alcina escapara por entre os dedos de Doralice e Romeu e se casara embuchada.

Romeu fechou a cara de vergonha e cortou relações com a filha e o genro, que o haviam enganado. Doralice sentiu-se envergonhada, mas, queria estar ao lado do neto e relevou o fato de ter sido enganada. Maria Alcina estava casada e logo o acontecido seria esquecido.

             No entanto, como neste mundo tudo passa, a raiva do pai ultrajado durou pouco. Romeu se rendeu ao ver o neto e tudo acabou bem. Maria Alcina se explicou, dizendo que a culpa era da lua, que a fazia sonhar.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 16 de maio de 2018

"O LUAR" "O LUAR É A LUZ DO SOL QUE ESTÁ SONHANDO. O TEMPO NÃO PÁRA! A SAUDADE É QUE FAZ AS COISAS PARAREM NO TEMPO...OS VERDADEIROS VERSOS NÃO SÃO PARA EMBALAR, MAS PARA ABALAR..." MÁRIO QUINTANA

A LUA POR TESTEMUNHA

CAPÍTULO SETE
           A pequena comunidade estava abalada com o último acontecimento, aquele foi um caso inédito, que entristeceu as famílias do local. Cecília não poderia mais viver ali, pois, sempre que saísse de casa seria apontada na rua e nunca mais encontraria casamento na região. Ficara marcada pelo ocorrido, era uma mulher rejeitada pelo marido, que teve seu casamento anulado.

             Os pais de Cecília estavam envergonhados e desgostosos da vida, então, resolveram mudar de cidade. A família foi, definitivamente, para a capital, lá ninguém conhecia aqueles acontecimentos e Cecília poderia ter uma nova chance. Essa história ficou na memória do povo da pequena cidade e fez arrochar a vigilância sobre as meninas do local.

             Maria Alcina foi proibida de sair à noite.

          - Não correremos o risco de Maria Alcina seguir o caminho da amiga. Se alguém se interessar por ela, deve vir até a nossa casa falar comigo; dizia seu pai preocupado.

           As festas praticamente foram extintas e o cinema estava sempre vazio. As meninas passaram a namorar no portão, por durante três meses, era tempo suficiente para decidir se queria namorar sério ou desistir ali mesmo.

            Se entrasse, o rapaz teria que pedir a moça em namoro para sentar no sofá da sala e conversar com ela em dias marcados. E, dali a seis meses aconteceria o noivado. A seguir começariam os preparativos para o casamento, que ocorreria na Igreja local.

           A noiva ficaria empenhada em confeccionar o enxoval e ao noivo caberia decidir onde morar. Ele teria que arrumar uma casa ou morar com seus pais, até construir a própria casa. Tudo muito prático e decidido para preservar a ética e a moral das donzelas.

           E assim, Maria Alcina começou a namorar no sofá da sala. Frederico chegava as dezenove horas e quando o relógio batesse vinte e uma horas ele deveria se levantar e despedir-se na porta, para depois sair fechando o portão. O namoro aconteceria somente aos sábados e domingos. No restante da semana todos trabalhavam e não poderiam perder tempo com namorados.

             No entanto, Romeu, o pai da moça, vivia desconfiado do novo casal, que, segundo ele, precisava ser vigiado para não cair em tentação. Ele, então, colocou um quadro, que continha uma paisagem clara e brilhante, na parede da copa; mais parecia um espelho. Dessa maneira, ele poderia vigiar os acontecimentos no sofá, sem despertar suspeitas. Romeu ficava assistindo o jornal na Televisão e de olho na filha, namorando no sofá da sala.

             Maria Alcina e o namorado eram jovens, cheios de hormônios em ebulição e a proximidade despertava em ambos desejos incontroláveis. Várias vezes, o pai teve que intervir com pigarros e tosses forçadas para afastá-los, sem dar vexame. E, Doralice ficava encarregada de chamar a atenção da filha, quanto aos agarramentos.

            Todo cuidado foi pouco, pois, algumas moças burlaram toda essa vigilância e se desviaram do caminho traçado. Algumas se casaram grávidas e outras tiveram filhos solteiras, para desgostos de seus familiares. A modernidade tinha reflexo no interior também.

            As coisas da vida estavam por toda parte; liberdade sexual, os hippies, as danceterias e a luta feminista pela igualdade com o sexo masculino. Tantas mudanças incomodavam muita gente. As moças da pequena cidade foram pressionadas a se casar cedo, para ficar longe de todas aquelas tentações.

Assim, Romeu e Doralice forçaram os dois namorados ao compromisso, que os levaria ao casamento. Maria Alcina e Frederico estavam com o casamento marcado para dali a seis meses. Enquanto isso não acontecia, eles se agarravam escondidos nos cantos escuros da rua, tendo apenas a lua por testemunha.

 A festa começou a ser planejada para acontecer no clube de campo e contar com a presença de grande parte da população local. Uma cidade pequena onde todos se conheciam e a maioria eram parentes ou amigos. Os casamentos eram motivos de grande confraternização naquela comunidade.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 9 de maio de 2018

"LUA DE CRISTAL" - XUXA - "...TUDO QUE EU FIZER, EU VOU TENTAR MELHOR DO QUE EU JÁ FIZ. ESTEJA O MEU DESTINO ONDE ESTIVER, EU VOU BUSCAR A SORTE E SER FELIZ" MICHEL SULLIVAN E PAULO MASSADAS

A LUA SE ESCONDEU


CAPÍTULO SEIS
            Maria Alcina ficou com pena de sua mãe, pois, aquela era mais uma prova do imenso amor que Doralice tinha pelos filhos. Com lágrimas nos olhos a menina abraçou a mãe, que soluçou em seus braços, então, a filha prometeu tomar mais cuidado para não lhe dar preocupações.

          Com a passagem do ano novo e o início de uma nova década, parecia que algo novo despontava para o mundo. Era como se fosse a primavera após o inverno severo. Raios de Sol brilhavam no horizonte da década de setenta. Promessas de mudanças políticas, culturais, sociais, éticas e morais despontavam, pipocando para todos os lados com acenos de bons augúrios. No entanto, no interior, nada disso era bem-vindo, temiam pela perda da moral e bons costumes. Os acontecimentos eram assustadores.

                 Depois de uma década de opressão e muito medo, as novidades apareciam para mudar tudo. Surgiram as discotecas, os hippies, as calças pantalonas, os cabelos black power, as mini-saias e com a popularização da pílula anticoncepcional, a revolução feminina tomou força. As mulheres saíram as ruas queimando os soutiens e assustando as famílias mais tradicionais.

Com tantas mudanças acontecendo, os pais de moças entraram em desespero. Seria melhor casar as donzelas, antes que se perdessem pelo caminho. Os rapazes ficaram mais ariscos e as mulheres perderam a credibilidade, sendo pressionadas a dar a tão famosa prova de amor para os namorados. Muitas se deram mal e acabaram em uma situação ruim. Algumas ficaram grávidas e outras foram abandonadas depois de ceder à prova de amor.

        No entanto, o caso mais marcante ocorrido na pequena cidade foi a devolução de uma recém-casada para seu pai. 

Cecília morava perto da casa de Maria Alcina, eram amigas desde criança. Davi era apaixonado por Cecília, que aceitava sua companhia por falta de opção. Era inconsequente, alegre e brincalhona; seu desejo era apenas se divertir.

Havia uma marcha para o progresso, até então estagnado; muitas atitudes foram tomadas para que as mudanças fossem implantadas naquela região. A pequena cidade foi contemplada com um projeto de preservação do meio ambiente, dos rios e matas ciliares com novos plantios de mata nativa e apoio à agricultura. Precisavam, então, de um suporte técnico e o fornecimento de mudas de um viveiro próprio. Para tanto, seria necessário a construção de uma casa da lavoura para acolher um engenheiro agrônomo, seus assessores e todos os implementos necessários.

              Para a realização da obra chegou uma construtora da capital, com uma porção de rapazes novos, que ficavam alojados no anexo da construção. Entre eles estava Nélio, um rapaz alto, bonito e de olhos verdes, que se encantou com Cecília. Ela tratou de se afastar de Davi e começou a sair com Nélio as escondidas.

            Ele era mais esperto do que os rapazes daquela pequena comunidade e conhecia a pílula anticoncepcional. Com sua capacidade de sedução envolveu a menina, que se deixou encantar. Então, Nélio fez uso de toda sua lábia para convencer Cecília, a fazer uso da novidade. E, foi pelas mãos de Nélio que ela se tornou mulher.   

         Entre mil juras de amor resolveram guardar segredo, pois, ele dizia que iriam se casar brevemente e ninguém precisaria saber do ocorrido.

Os encontros furtivos duraram alguns meses e nada do rapaz querer assumir o namoro oficialmente.  Até que, em uma noite de lua cheia, Cecília flagrou o seu amor com outra moça conhecida. Andou chorosa durante dias, se lamentando que havia sido traída pela vida. Acreditava que amava aquele rapaz e nunca mais se apaixonaria por ninguém.

              Cecília, abandonada e traída, não poderia ficar sozinha, precisava dar o troco para aquele manipulador. Fez isso voltando para o Davi, que ainda a amava.   
          
            A construção terminou e Nélio foi embora, deixando uma moça ferida para trás, que logo concordou em se casar com o antigo namorado. Davi nada desconfiava e se casara acreditando na virgindade de sua noiva, porém, na noite de núpcias a situação ficou insustentável. Cecília não era a moça pura que ele esperava.

           A recém-casada não teve como negar e chorou o resto da noite pedindo clemência. No entanto, Davi pegou as malas da moça e a arrastou até a casa de seus pais, devolvendo-a em plena madrugada.

            – Faço isso para não cometer uma loucura e me tornar um assassino, disse o marido ferido ao pai estupefato. Este, coberto de vergonha, jogou a filha no quarto, trancou a porta tirando a chave; depois guardou no bolso.

           Lá no céu uma nuvem encobriu a lua, ou quem sabe, foi ela que se escondeu com vergonha do ocorrido.
Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 2 de maio de 2018

"LUA DE CRISTAL" - XUXA "...FAZ DE MIM ESTRELA, QUE EU JÁ SEI BRILHAR. LUA DE CRISTAL, NOVA DE PAIXÃO, FAZ DA MINHA VIDA CHEIA DE EMOÇÃO..." MICHEL SULIVAN E PAULO MASSADAS



         SOB O LUAR DE SÁBADO A NOITE


CAPÍTULO CINCO
          Para os costumes da época Maria Alcina já era uma moça feita e poderia namorar para se casar. A revolução feminista ainda não havia começado e a sociedade patriarcal dominava as famílias. E, nessa linha de pensamento os pais queriam casar as filhas o mais rápido possível, para não correr o risco de ter alguma surpresa desagradável.

           Ser mãe solteira, ou cair na boca do povo por um namoro mais íntimo, significava que nenhum homem desposaria a moça em questão para ser mãe de seus filhos. Recebia o codinome de “mulher da vida” e as portas se fechavam para ela.

            A virgindade e a ingenuidade ainda faziam parte dos dotes exigidos para as moças casadoiras. Para ser considerada ultrapassada ou coroa, bastava ter passado dos vinte anos sem estar compromissada seriamente.

            Então, a aproximação acontecia com olhares furtivos na praça, onde as moças andavam em círculos, enquanto os rapazes ficavam de braços cruzados, observando-as. Muitas vezes, quando ficavam interessados, ofereciam músicas no serviço de alto falantes, que havia no coreto da praça.

        Essa paquera acontecia aos sábados à noite na praça principal. As moças ficavam sentadas no caramanchão, ou circulando ao redor do chafariz, que volteava suas águas ao farfalhar do vento e ao som das músicas românticas. Depois de olhares e sinais de aprovação, os envolvidos passavam a semana inteira querendo rever o objeto de seus sentimentos, mas tinham que esperar o sábado seguinte.

As moças tinham horário para sair e voltar para casa. Saiam as dezenove horas e deveriam estar em casa as vinte e uma horas, salvo as terças-feiras, que havia uma sessão de cinema para as moças. Era gratuito para quem estivesse acompanhada de um rapaz. Todas as moças arrumavam um par para adentrar ao cinema, mesmo que fosse somente para entrar, depois se separavam.

            Certo dia, na casa da Maria Alcina, chegou uma visita, era sua avó materna, que viera para passar uns tempos com a família da filha. Na casa havia muitas crianças, oito filhos, pai, mãe e uma tia velha, que ajudava a criar os pequenos; consequentemente, havia pouco espaço. Por esse motivo, a avó foi dormir no sofá da sala e todos se ajeitaram.

            Maria Alcina, que estava de namorico com o Fred, saiu com uma vizinha de sua idade e foram a uma quermesse no largo da Igreja local. Ao sair, foi alertada para retornar à casa as vinte e uma horas, sob pena de ser castigada se houvesse atraso.

             No horário marcado o Fred a acompanhou até o portão de sua casa, onde se despediram com o primeiro beijo furtivo. Meio atordoada com a nova experiência, a menina bateu na porta da sala e sua avó levantou-se e foi abrir para ela entrar, retornando ao sofá posteriormente. Maria Alcina foi dormir com mil sonhos na cabeça e apagou profundamente.

As vinte e três horas, houve um pequeno alvoroço na casa, que acordou a avó. Mas como ninguém disse nada, ela voltou a pegar no sono, mesmo com o barulho do velho automóvel DKV e seu som característico: PU, PU, PU, PU, PU.... saindo em disparada.

             Quando o relógio bateu meia noite, o automóvel retornou acordando a avó novamente, que assustada ao perceber que sua filha estava chorando, perguntou:

             - O que aconteceu? Quem morreu?

             - A Maria Alcina sumiu, respondeu aos prantos Doralice, a mãe da menina.

             A velha senhora, espantada, disse que estavam doidos, pois a neta voltara para casa fazia tempo.

 – Foram olhar no quarto? Na cama?

          Então, Doralice cheia de esperanças, correu para o quarto e teve uma crise nervosa ao ver a filha dormindo. Pegou o chinelo e começou a bater em Maria Alcina, mesmo ela estando coberta. A menina pulou da cama, com os olhos arregalados e perguntou?

               - Por que a senhora está me batendo? Então, a avó que estava na soleira da porta respondeu:

             - Porque são dois loucos, que primeiro vão procurar a filha na rua, que já estava dormindo fazia tempo, ao invés de olhar no quarto.

            - Fui eu quem abriu a porta para ela quando chegou da rua. Por que não me perguntaram? Esbravejou a velha senhora olhando para a filha.

             – Não pensei nisso, sempre sou eu quem abre a porta para ela entrar, respondeu a mãe da menina, rindo e chorando ao mesmo tempo.
 Um texto de Eva Ibrahim Sousa

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