MOSTRAR VISUALIZAÇÕES DE PÁGINAS

quarta-feira, 23 de maio de 2018

"APAVORADO ACORDO, EM TREVA. O LUAR É COMO O ESPECTRO DO MEU SONHO EM MIM. E SEM DESTINO, E LOUCO SOU O MAR PATÉTICO, SONÂMBULO E SEM FIM." VINÍCIUS DE MORAES

O VÉU DO LUAR
CAPÍTULO OITO
           Durante os últimos meses aconteceram muitas mudanças e a discoteca chegou à pequena cidade. Havia uma necessidade de diversão, para compensar anos difíceis e conturbados no contexto mundial. Aos sábados à noite, a festa ficava por conta da nova discoteca, que acontecia no antigo salão de bailes da comunidade. O local fora remodelado, mas ainda tinha característica de salão de festas familiares.

        O clube era um lugar simples e acolhedor, o único da região. Aos domingos, depois da missa dominical, os homens jogavam bocha, enquanto as mulheres ficavam em casa preparando o almoço. Os rapazes jogavam futebol e as meninas se divertiam com o voleibol, na quadra ao lado da piscina.

            Maria Alcina estava eufórica, pois seu casamento seria realizado naquele salão, que para ela tinha um sentido mágico, pois, enfeitava seus sonhos. O local já fora palco para muitas festas e a maioria das pessoas o conheciam muito bem. Tudo fora preparado para ser uma grande festa com muita comida, música e danças. Ela era a filha mais velha de oito irmãos e seus pais estavam muito felizes, por casar a filha querida.

            Entretanto, havia uma preocupação e muito medo corroendo os pensamentos da noiva.  Ela constatou que sua menstruação estava atrasada e se assustou. O seu maior temor era que sua mãe desconfiasse. Não poderia sequer imaginar a reação de seu pai, que mantinha vigilância constante sobre o casal. Mas, quanto maior a vigilância maior é a tentação, já dizia a sua avó.

             Na primeira oportunidade, ela cedeu a tentação do sexo e se entregou ao Frederico. Foi uma relação rápida e furtiva, no canto escuro da porta, na hora da despedida. Num silêncio contido, eles conheceram o sabor da paixão. Não pensaram nas consequências e, a moça perdeu o sossego; sentia-se encurralada.

            – Que falta de sorte! Fora apenas um deslize, gemia inconsolável olhando para o noivo, que não sabia o que dizer.

           Ambos estavam culpados pela transgressão e não poderiam procurar o médico para obter esclarecimentos.  E, muito menos dividir com alguém tamanha preocupação. Era um assunto proibido, que ficava escondido entre eles. Ela estava encrencada com a possibilidade de uma gravidez inoportuna.

      A comunidade tinha um forte laço com a Igreja católica e todos respeitavam os ensinamentos e tradições da casa de Deus. Uma coisa não saia da cabeça de Maria Alcina, já não era mais uma moça pura e não poderia usar um véu branco cobrindo sua cabeça, pois, era privilégio das virgens. Assim, se estivesse grávida e cobrisse a cabeça com véu branco, estaria cometendo um duplo pecado terrível.

            Ela conseguiu esconder a falta da menstruação, fingindo estar com cólicas, que tinha mensalmente. Doralice nada percebeu e a filha ganhou tempo. Faltava, ainda, dois meses para o casamento e ela conseguiria esconder sua gravidez, que com o passar dos dias se confirmava.

           A jovem sentia náuseas e enjoos matinais, mas escondia de todos e vomitava, em silêncio, no banheiro. Com tantos vômitos ela emagreceu ao invés de engordar e com isso, disfarçava bem. Dizia que a proximidade do casamento a estava deixando nervosa e sem apetite.

            Faltando um mês para o enlace matrimonial, o vestido de noiva estava pronto e o véu também. O véu cobria a cabeça preso com uma tiara e descia até o chão. Ela teria que encontrar uma maneira de descobrir sua cabeça; esse pensamento a atormentava dia e noite. Porque assim, ela não cometeria um pecado e pouparia seus pais de passar vergonha, pois, quando descobrissem iriam acusa-la de herege.

            Certo dia, Fred foi a capital e trouxe uma revista de noivas para Maria Alcina, que olhava desesperadamente todos os véus. Queria encontrar uma solução para o seu problema. Nessa procura ela encontrou uma noiva com um birote no cabelo, preso atrás da cabeça, circundado com flores do casquete. Era a solução que ela procurava, então, mostrou para sua mãe dizendo que queria fazer igual o cabelo da revista.

Houve muita resistência, mas, alegando que era moda, sua mãe acabou cedendo. E, no grande dia a noiva saiu do carro com a cabeça coberta, apenas, com o véu do luar. Estava salva, pois, não ofendera a Deus cobrindo a cabeça com um véu branco.

             Os meses foram passando e sua gravidez já estava evidente, porém, ninguém desconfiou de nada. Maria Alcina era magra e ganhava pouco peso, à medida que o tempo passava. E, quando fez sete meses do casamento, ela passou mal e entrou em trabalho de parto.

           As comadres fizeram até grupo de orações, pois, temiam pela vida do bebê prematuro, que, segundo elas, deveria ficar na incubadora. Apesar de tantas orações não teve jeito e nasceu um lindo menino.

- O bebê nasceu antes do tempo, era o que diziam as comadres, preocupadas em vigiar a vida alheia.

Mas, quando viram o bebê, que pesava quatro quilos, rosado e cabeludo, saíram contando aos quatro cantos, que Maria Alcina escapara por entre os dedos de Doralice e Romeu e se casara embuchada.

Romeu fechou a cara de vergonha e cortou relações com a filha e o genro, que o haviam enganado. Doralice sentiu-se envergonhada, mas, queria estar ao lado do neto e relevou o fato de ter sido enganada. Maria Alcina estava casada e logo o acontecido seria esquecido.

             No entanto, como neste mundo tudo passa, a raiva do pai ultrajado durou pouco. Romeu se rendeu ao ver o neto e tudo acabou bem. Maria Alcina se explicou, dizendo que a culpa era da lua, que a fazia sonhar.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 16 de maio de 2018

"O LUAR" "O LUAR É A LUZ DO SOL QUE ESTÁ SONHANDO. O TEMPO NÃO PÁRA! A SAUDADE É QUE FAZ AS COISAS PARAREM NO TEMPO...OS VERDADEIROS VERSOS NÃO SÃO PARA EMBALAR, MAS PARA ABALAR..." MÁRIO QUINTANA

A LUA POR TESTEMUNHA

CAPÍTULO SETE
           A pequena comunidade estava abalada com o último acontecimento, aquele foi um caso inédito, que entristeceu as famílias do local. Cecília não poderia mais viver ali, pois, sempre que saísse de casa seria apontada na rua e nunca mais encontraria casamento na região. Ficara marcada pelo ocorrido, era uma mulher rejeitada pelo marido, que teve seu casamento anulado.

             Os pais de Cecília estavam envergonhados e desgostosos da vida, então, resolveram mudar de cidade. A família foi, definitivamente, para a capital, lá ninguém conhecia aqueles acontecimentos e Cecília poderia ter uma nova chance. Essa história ficou na memória do povo da pequena cidade e fez arrochar a vigilância sobre as meninas do local.

             Maria Alcina foi proibida de sair à noite.

          - Não correremos o risco de Maria Alcina seguir o caminho da amiga. Se alguém se interessar por ela, deve vir até a nossa casa falar comigo; dizia seu pai preocupado.

           As festas praticamente foram extintas e o cinema estava sempre vazio. As meninas passaram a namorar no portão, por durante três meses, era tempo suficiente para decidir se queria namorar sério ou desistir ali mesmo.

            Se entrasse, o rapaz teria que pedir a moça em namoro para sentar no sofá da sala e conversar com ela em dias marcados. E, dali a seis meses aconteceria o noivado. A seguir começariam os preparativos para o casamento, que ocorreria na Igreja local.

           A noiva ficaria empenhada em confeccionar o enxoval e ao noivo caberia decidir onde morar. Ele teria que arrumar uma casa ou morar com seus pais, até construir a própria casa. Tudo muito prático e decidido para preservar a ética e a moral das donzelas.

           E assim, Maria Alcina começou a namorar no sofá da sala. Frederico chegava as dezenove horas e quando o relógio batesse vinte e uma horas ele deveria se levantar e despedir-se na porta, para depois sair fechando o portão. O namoro aconteceria somente aos sábados e domingos. No restante da semana todos trabalhavam e não poderiam perder tempo com namorados.

             No entanto, Romeu, o pai da moça, vivia desconfiado do novo casal, que, segundo ele, precisava ser vigiado para não cair em tentação. Ele, então, colocou um quadro, que continha uma paisagem clara e brilhante, na parede da copa; mais parecia um espelho. Dessa maneira, ele poderia vigiar os acontecimentos no sofá, sem despertar suspeitas. Romeu ficava assistindo o jornal na Televisão e de olho na filha, namorando no sofá da sala.

             Maria Alcina e o namorado eram jovens, cheios de hormônios em ebulição e a proximidade despertava em ambos desejos incontroláveis. Várias vezes, o pai teve que intervir com pigarros e tosses forçadas para afastá-los, sem dar vexame. E, Doralice ficava encarregada de chamar a atenção da filha, quanto aos agarramentos.

            Todo cuidado foi pouco, pois, algumas moças burlaram toda essa vigilância e se desviaram do caminho traçado. Algumas se casaram grávidas e outras tiveram filhos solteiras, para desgostos de seus familiares. A modernidade tinha reflexo no interior também.

            As coisas da vida estavam por toda parte; liberdade sexual, os hippies, as danceterias e a luta feminista pela igualdade com o sexo masculino. Tantas mudanças incomodavam muita gente. As moças da pequena cidade foram pressionadas a se casar cedo, para ficar longe de todas aquelas tentações.

Assim, Romeu e Doralice forçaram os dois namorados ao compromisso, que os levaria ao casamento. Maria Alcina e Frederico estavam com o casamento marcado para dali a seis meses. Enquanto isso não acontecia, eles se agarravam escondidos nos cantos escuros da rua, tendo apenas a lua por testemunha.

 A festa começou a ser planejada para acontecer no clube de campo e contar com a presença de grande parte da população local. Uma cidade pequena onde todos se conheciam e a maioria eram parentes ou amigos. Os casamentos eram motivos de grande confraternização naquela comunidade.

 Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 9 de maio de 2018

"LUA DE CRISTAL" - XUXA - "...TUDO QUE EU FIZER, EU VOU TENTAR MELHOR DO QUE EU JÁ FIZ. ESTEJA O MEU DESTINO ONDE ESTIVER, EU VOU BUSCAR A SORTE E SER FELIZ" MICHEL SULLIVAN E PAULO MASSADAS

A LUA SE ESCONDEU


CAPÍTULO SEIS
            Maria Alcina ficou com pena de sua mãe, pois, aquela era mais uma prova do imenso amor que Doralice tinha pelos filhos. Com lágrimas nos olhos a menina abraçou a mãe, que soluçou em seus braços, então, a filha prometeu tomar mais cuidado para não lhe dar preocupações.

          Com a passagem do ano novo e o início de uma nova década, parecia que algo novo despontava para o mundo. Era como se fosse a primavera após o inverno severo. Raios de Sol brilhavam no horizonte da década de setenta. Promessas de mudanças políticas, culturais, sociais, éticas e morais despontavam, pipocando para todos os lados com acenos de bons augúrios. No entanto, no interior, nada disso era bem-vindo, temiam pela perda da moral e bons costumes. Os acontecimentos eram assustadores.

                 Depois de uma década de opressão e muito medo, as novidades apareciam para mudar tudo. Surgiram as discotecas, os hippies, as calças pantalonas, os cabelos black power, as mini-saias e com a popularização da pílula anticoncepcional, a revolução feminina tomou força. As mulheres saíram as ruas queimando os soutiens e assustando as famílias mais tradicionais.

Com tantas mudanças acontecendo, os pais de moças entraram em desespero. Seria melhor casar as donzelas, antes que se perdessem pelo caminho. Os rapazes ficaram mais ariscos e as mulheres perderam a credibilidade, sendo pressionadas a dar a tão famosa prova de amor para os namorados. Muitas se deram mal e acabaram em uma situação ruim. Algumas ficaram grávidas e outras foram abandonadas depois de ceder à prova de amor.

        No entanto, o caso mais marcante ocorrido na pequena cidade foi a devolução de uma recém-casada para seu pai. 

Cecília morava perto da casa de Maria Alcina, eram amigas desde criança. Davi era apaixonado por Cecília, que aceitava sua companhia por falta de opção. Era inconsequente, alegre e brincalhona; seu desejo era apenas se divertir.

Havia uma marcha para o progresso, até então estagnado; muitas atitudes foram tomadas para que as mudanças fossem implantadas naquela região. A pequena cidade foi contemplada com um projeto de preservação do meio ambiente, dos rios e matas ciliares com novos plantios de mata nativa e apoio à agricultura. Precisavam, então, de um suporte técnico e o fornecimento de mudas de um viveiro próprio. Para tanto, seria necessário a construção de uma casa da lavoura para acolher um engenheiro agrônomo, seus assessores e todos os implementos necessários.

              Para a realização da obra chegou uma construtora da capital, com uma porção de rapazes novos, que ficavam alojados no anexo da construção. Entre eles estava Nélio, um rapaz alto, bonito e de olhos verdes, que se encantou com Cecília. Ela tratou de se afastar de Davi e começou a sair com Nélio as escondidas.

            Ele era mais esperto do que os rapazes daquela pequena comunidade e conhecia a pílula anticoncepcional. Com sua capacidade de sedução envolveu a menina, que se deixou encantar. Então, Nélio fez uso de toda sua lábia para convencer Cecília, a fazer uso da novidade. E, foi pelas mãos de Nélio que ela se tornou mulher.   

         Entre mil juras de amor resolveram guardar segredo, pois, ele dizia que iriam se casar brevemente e ninguém precisaria saber do ocorrido.

Os encontros furtivos duraram alguns meses e nada do rapaz querer assumir o namoro oficialmente.  Até que, em uma noite de lua cheia, Cecília flagrou o seu amor com outra moça conhecida. Andou chorosa durante dias, se lamentando que havia sido traída pela vida. Acreditava que amava aquele rapaz e nunca mais se apaixonaria por ninguém.

              Cecília, abandonada e traída, não poderia ficar sozinha, precisava dar o troco para aquele manipulador. Fez isso voltando para o Davi, que ainda a amava.   
          
            A construção terminou e Nélio foi embora, deixando uma moça ferida para trás, que logo concordou em se casar com o antigo namorado. Davi nada desconfiava e se casara acreditando na virgindade de sua noiva, porém, na noite de núpcias a situação ficou insustentável. Cecília não era a moça pura que ele esperava.

           A recém-casada não teve como negar e chorou o resto da noite pedindo clemência. No entanto, Davi pegou as malas da moça e a arrastou até a casa de seus pais, devolvendo-a em plena madrugada.

            – Faço isso para não cometer uma loucura e me tornar um assassino, disse o marido ferido ao pai estupefato. Este, coberto de vergonha, jogou a filha no quarto, trancou a porta tirando a chave; depois guardou no bolso.

           Lá no céu uma nuvem encobriu a lua, ou quem sabe, foi ela que se escondeu com vergonha do ocorrido.
Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 2 de maio de 2018

"LUA DE CRISTAL" - XUXA "...FAZ DE MIM ESTRELA, QUE EU JÁ SEI BRILHAR. LUA DE CRISTAL, NOVA DE PAIXÃO, FAZ DA MINHA VIDA CHEIA DE EMOÇÃO..." MICHEL SULIVAN E PAULO MASSADAS



         SOB O LUAR DE SÁBADO A NOITE


CAPÍTULO CINCO
          Para os costumes da época Maria Alcina já era uma moça feita e poderia namorar para se casar. A revolução feminista ainda não havia começado e a sociedade patriarcal dominava as famílias. E, nessa linha de pensamento os pais queriam casar as filhas o mais rápido possível, para não correr o risco de ter alguma surpresa desagradável.

           Ser mãe solteira, ou cair na boca do povo por um namoro mais íntimo, significava que nenhum homem desposaria a moça em questão para ser mãe de seus filhos. Recebia o codinome de “mulher da vida” e as portas se fechavam para ela.

            A virgindade e a ingenuidade ainda faziam parte dos dotes exigidos para as moças casadoiras. Para ser considerada ultrapassada ou coroa, bastava ter passado dos vinte anos sem estar compromissada seriamente.

            Então, a aproximação acontecia com olhares furtivos na praça, onde as moças andavam em círculos, enquanto os rapazes ficavam de braços cruzados, observando-as. Muitas vezes, quando ficavam interessados, ofereciam músicas no serviço de alto falantes, que havia no coreto da praça.

        Essa paquera acontecia aos sábados à noite na praça principal. As moças ficavam sentadas no caramanchão, ou circulando ao redor do chafariz, que volteava suas águas ao farfalhar do vento e ao som das músicas românticas. Depois de olhares e sinais de aprovação, os envolvidos passavam a semana inteira querendo rever o objeto de seus sentimentos, mas tinham que esperar o sábado seguinte.

As moças tinham horário para sair e voltar para casa. Saiam as dezenove horas e deveriam estar em casa as vinte e uma horas, salvo as terças-feiras, que havia uma sessão de cinema para as moças. Era gratuito para quem estivesse acompanhada de um rapaz. Todas as moças arrumavam um par para adentrar ao cinema, mesmo que fosse somente para entrar, depois se separavam.

            Certo dia, na casa da Maria Alcina, chegou uma visita, era sua avó materna, que viera para passar uns tempos com a família da filha. Na casa havia muitas crianças, oito filhos, pai, mãe e uma tia velha, que ajudava a criar os pequenos; consequentemente, havia pouco espaço. Por esse motivo, a avó foi dormir no sofá da sala e todos se ajeitaram.

            Maria Alcina, que estava de namorico com o Fred, saiu com uma vizinha de sua idade e foram a uma quermesse no largo da Igreja local. Ao sair, foi alertada para retornar à casa as vinte e uma horas, sob pena de ser castigada se houvesse atraso.

             No horário marcado o Fred a acompanhou até o portão de sua casa, onde se despediram com o primeiro beijo furtivo. Meio atordoada com a nova experiência, a menina bateu na porta da sala e sua avó levantou-se e foi abrir para ela entrar, retornando ao sofá posteriormente. Maria Alcina foi dormir com mil sonhos na cabeça e apagou profundamente.

As vinte e três horas, houve um pequeno alvoroço na casa, que acordou a avó. Mas como ninguém disse nada, ela voltou a pegar no sono, mesmo com o barulho do velho automóvel DKV e seu som característico: PU, PU, PU, PU, PU.... saindo em disparada.

             Quando o relógio bateu meia noite, o automóvel retornou acordando a avó novamente, que assustada ao perceber que sua filha estava chorando, perguntou:

             - O que aconteceu? Quem morreu?

             - A Maria Alcina sumiu, respondeu aos prantos Doralice, a mãe da menina.

             A velha senhora, espantada, disse que estavam doidos, pois a neta voltara para casa fazia tempo.

 – Foram olhar no quarto? Na cama?

          Então, Doralice cheia de esperanças, correu para o quarto e teve uma crise nervosa ao ver a filha dormindo. Pegou o chinelo e começou a bater em Maria Alcina, mesmo ela estando coberta. A menina pulou da cama, com os olhos arregalados e perguntou?

               - Por que a senhora está me batendo? Então, a avó que estava na soleira da porta respondeu:

             - Porque são dois loucos, que primeiro vão procurar a filha na rua, que já estava dormindo fazia tempo, ao invés de olhar no quarto.

            - Fui eu quem abriu a porta para ela quando chegou da rua. Por que não me perguntaram? Esbravejou a velha senhora olhando para a filha.

             – Não pensei nisso, sempre sou eu quem abre a porta para ela entrar, respondeu a mãe da menina, rindo e chorando ao mesmo tempo.
 Um texto de Eva Ibrahim Sousa

quarta-feira, 25 de abril de 2018

"LUA DE CRISTAL"- XUXA- "...VAMOS COM VOCÊ, NÓS SOMOS INVENCÍVEIS, PODE CRER. O SONHO ESTÁ NO AR. O AMOR ME FAZ CANTAR. LUA DE CRISTAL, QUE ME FAZ SONHAR..." MICHEL SULLIVAN E PAULO MASSADAS


DE OLHOS NA LUA

CAPÍTULO QUATRO 
          Maria Alcina e as outras meninas adolescentes, também foram atingidas pela história do lobisomem. Quando a lua aparecia grande e brilhante, elas ficavam com medo e temiam que aparecesse um lobisomem, então, não saiam de suas casas. Fechavam as portas, janelas e mantinham um terço pendurado na guarda de cada cama, para afastar o coisa ruim. E, debaixo das cobertas rezavam ao anjo da guarda, pedindo proteção.

            As histórias do jagunço Raimundo correram as redondezas e mudou o hábito das pessoas simples do lugarejo. Era um povo crédulo e temente a Deus, mas lá no fundo, eram muito supersticiosos.

          Logo chegou a luz elétrica naquela região e, em seguida a televisão em algumas casas. Assim, a solidariedade e a amizade juntavam os vizinhos para assistir ao cinema em casa; aquela novidade encantava a todos. Havia muito menos crianças nas ruas, ficavam mais tempo dentro das casas.

         Tempos de medos e muitos sonhos; havia um romantismo herdado dos anos cinquenta, que eram tidos como anos dourados. A década de sessenta foi de muitas mudanças políticas no país e na sociedade brasileira. Com a tomada do poder pelos militares em 1964, houve repressão e a censura a liberdade de expressão foi sentida por todos.

           O medo estava no olhar das pessoas. A resistência atuava na clandestinidade das grandes cidades e a repressão era cruel. Os professores se mantinham em silêncio sobre questões políticas, pois temiam represálias. As pessoas tidas como suspeitas eram retiradas de suas casas, presas e muitas vezes desapareciam. Todos viviam calados, pensavam antes de falar qualquer coisa; desconfiavam de qualquer pessoa conhecida ou não.

           Decorria o ano de 1967 e foi nessa época que apareceram as músicas de protesto. Surgiram os festivais de música popular brasileira, MPB, que ficaram famosos por seu valor musical, com participantes de grandes talentos. A televisão já fazia parte do dia a dia das pessoas; tornara-se indispensável.

       O povo se reunia para assistir os grandes eventos pela televisão nos bares e clubes. A censura estava presente nos meios de comunicação, então, passava somente o que fora aprovado previamente, tais como: Jogos de futebol, competições importantes, festivais e programas variados na televisão.

           As músicas, que foram vencedoras nos festivais, tornaram-se famosas e são lembradas até hoje, por sua qualidade e mensagens políticas veladas em suas letras. Fazem parte do acervo de uma época de repressão e intensa produção de músicas populares no país, com destaque para suas letras de impacto político. O sucesso se repetiu no ano seguinte, mas decaiu no posterior.

              E, para fechar a década, em 1969 todos assistiram boquiabertos a descida do primeiro homem na lua. As meninas olhavam atentas para ver se o astronauta americano se encontraria com São Jorge. Esperavam ver o santo empunhando a lança montado em seu cavalo branco, aguardando o dragão surgir para abatê-lo.

           Elas temiam que o dragão avançasse no astronauta e São Jorge ficasse indeciso diante daquela roupa estranha, que para ele seria muito esquisita. Mas, quando viram o astronauta planando suavemente na lua, elas tiveram uma grande decepção e a lua perdeu parte de seu encanto. Assim, uma pergunta ficou no ar:

           - Será que o santo e o dragão ficaram com medo do astronauta, por isso não apareceram? Mas não importa, o sonho não acabou, a lua continua lá, esplêndida como sempre. Disse Maria Alcina em voz alta com tom de desabafo.

             Nesse contexto repressivo, precisava haver um meio de promover a alegria como válvula de escape. Era tempo dos grandes bailes com orquestras ao vivo e dos bailinhos nas garagens e salas das casas dos jovens adolescentes. Surgiu, nessa época, o movimento da Jovem Guarda, que embalou a juventude daquele final de década.

          Aconteceu em um bailinho na casa da Sandra, foi onde a Maria Alcina conheceu o Frederico. Foi paixão à primeira vista; sentiram uma atração instantânea. Trocaram olhares e promessas veladas, depois dançaram de rosto colado durante uma tarde inteira. Em seguida, saíram cada um com um amigo e foram para suas casas. Era muito cedo para se mostrarem em público.

         Com a chegada do primeiro amor, Fred se tornou o centro da vida da menina. Maria Alcina estava com dezesseis anos e tinha muitos sonhos para realizar. Queria conhecer seu príncipe encantado e viver um grande amor. Era tempo de sonhar de mãos dadas a luz do luar.

         Desde pequena estava sendo preparada para o casamento. As meninas aprendiam com suas mães como se comportar depois de casadas, cuidar da casa e do marido.
Um texto de Eva Ibrahim

quarta-feira, 18 de abril de 2018

"LUA DE CRISTAL" - XUXA - "...ME DAR TODA CORAGEM QUE PUDER, QUE NÃO ME FALTE FORÇAS PRA LUTAR. VAMOS COM VOCÊ, NÓS SOMOS INVENCÍVEIS, PODE CRER. TODOS SOMOS UM, E JUNTOS NÃO EXISTE MAL NENHUM..." MICHEL SULLIVAN E PAULO MASSADAS

O LOBISOMEM

CAPÍTULO TRÊS
             Com a plateia acomodada e quieta para ouvir a história do lobisomem, Raimundo limpou a garganta com um forte pigarro seguido de uma cusparada e, depois começou falando:

            - Em uma noite de quinta para sexta feira da paixão de Cristo, dois pescadores ficaram até tarde na beira do rio. Pretendiam obter alguns peixes para o almoço do dia seguinte. Era pecado comer carnes, podiam ser consumidos apenas peixes.

         Com a luz forte da lua cheia iluminando o rio, que mais parecia um grande espelho, os dois amigos se concentraram na pesca. Fazia horas que tentavam fisgar alguns lambaris e nada conseguiam. Não poderiam desistir, pois tinham prometido às suas esposas levar mistura para o almoço.

          O tempo passou e eles não perceberam, mas ao dar meia noite, eles ouviram um estrondo estarrecedor e saíram correndo de medo. Ficaram escondidos atrás do terreiro onde ficava o barraco de Tião Bento. Havia mato alto e eles adentraram em meio a algumas moitas de cipreste.

           Com a respiração presa e morrendo de medo, viram quando um enorme cachorro, mais parecido com um lobo, saiu dos fundos do casebre, espantando as galinhas. Ali era o galinheiro e o animal enraivecido olhava para trás, arreganhando os dentes. Ele tinha os olhos vermelhos como sangue e espumava pela boca.

           Os dois homens ficaram paralisados temendo pela própria vida, escondidos atrás das moitas. Eles não podiam sair, pois, o bicho corria ao redor do barraco, ia até o rio e voltava enraivecido. De vez em quando, soltava uns sons, que mais pareciam urros de raiva.

          A noite foi longa e os dois pescadores não fecharam os olhos. Quando estava para o Sol nascer, o animal enfurecido adentrou ao galinheiro e, com um urro ensurdecedor voltou a sua forma primitiva de ser humano.

            Tião Bento, um homem simples, todo sujo de fezes e penas de galinhas, saiu dali mancando e foi tomar banho no rio. Então, os dois pescadores puderam escapar das moitas e voltar para suas casas. Chegaram de mãos vazias, mas juraram por todos os santos, que nunca mais sairiam de casa nas noites de sextas-feiras e muito menos nas sextas-feiras de lua cheia.

- Por hoje chega, vão dormir e amanhã continuaremos, disse o jagunço com um olhar de satisfação. Ele tinha prazer em provocar medo nas pessoas, principalmente nas crianças.

As pessoas trataram de se levantar e as crianças se agarraram a elas. Depois seguiram para suas casas, tremendo de medo. Ninguém queria dormir no escuro e as lamparinas arderam a noite toda.

Depois dessa história houve mudança na educação das crianças.  As mães se apegaram ao temor dos filhos e quando desobedeciam, elas diziam que iriam chamar o lobisomem; imediatamente todas elas se aquietavam. Era uma maneira grotesca de manter a ordem entre os pequenos.
Um texto de Eva Ibrahim

MEU MUNDO REINVENTADO.

UM BLOG PARA POSTAR CONTOS CURTOS E EM CAPÍTULOS.