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sexta-feira, 31 de março de 2017

"E QUEM, UM DIA, IRÁ DIZER QUE NÃO EXISTE RAZÃO NAS COISAS FEITAS PELO CORAÇÃO?" LEGIÃO URBANA

OLHOS DO CORAÇÃO
TERCEIRO CAPÍTULO
           Benjamim perdeu a voz diante da beleza da moça. Ele só conseguia dizer:
           - Como você é linda!
 Ela sorriu e o coração do velho turrão quase parou; queria aquela mulher.

           No entanto, ele sabia que estava sonhando, pois não era permitido que um general viajasse para fora do país sem permissão do governo. Ainda mais para casos de amor, nem pensar nessa possibilidade. E, não era permitido receber turistas, portanto, aquele era um amor platônico e sem futuro. Mas, ele nada diria, queria desfrutar daquele momento e todos os outros que surgissem.

Eloisa gostava de estar sendo cortejada por um homem que tinha o peito cheio de medalhas e condecorações por bravura; o seu país vivia em guerra e ele sempre se destacava no comando de suas tropas. Nunca antes, ela havia chegado perto de um general, ou mesmo visto uma pessoa tão importante; além de tudo ele era um piloto de helicóptero. Juntava uma porção de coisas que ela não conhecia e sua curiosidade a mantinha diante do computador.

 Benjamim não era nenhum galã, era um tipo altivo e carrancudo, mas ficava sorridente quando queria. Sua aparência era a de um homem comum, alto e magro, por conta de muitos jejuns a que se submetia. Cabelos, olhos e bigodes pretos em um corpo curtido pela vida no exército. Sua atitude era de soberba, própria de quem não aceita ser desobedecido, um militar típico e intransigente. No entanto, aquela mulher o deixava desarmado e sedento de amor. Queria toma-la em seus braços e beijá-la até amanhecer.

O General queria saber tudo sobre a vida dela, onde trabalhava e principalmente sua condição afetiva. Com quem morava, se estava casada, separada ou viúva, queria desesperadamente saber se estava livre. Era um homem possessivo e não queria ninguém por perto de sua amada. Só em pensar que alguém poderia tê-la em seus braços, ele ficava irado.

 Era um sentimento tão profundo que ele mal conseguia se controlar. Até sua filha estranhou suas atitudes e lhe perguntou o que estava acontecendo com ele.

– O senhor parece estar vivendo no mundo da lua, enfatizou a moça perplexa. Rapidamente ele se justificou, dizendo que não havia nada de diferente, apenas estava cansado e precisava de umas férias.

Na verdade, ele queria umas férias para visitar o Brasil, para se encontrar com Eloisa e abraça-la com muito amor. No entanto, Benjamim sabia que eram apenas sonhos, pois, os rebeldes estavam muito agitados e ninguém lhe daria férias; muito menos para viajar ao exterior. Eloisa lhe mandou algumas fotos, que ele olhava sempre que tinha uma folga. Não queria que ninguém soubesse do seu segredo de amor.

O general sabia que teria que aguardar mais cinco anos para sua aposentadoria e ela não esperaria tanto tempo para se casar com ele. O que fazer para mantê-la presa ao seu amor por cinco anos? Este pensamento o deixava triste e desanimado, mas logo vinha em sua mente a figura de Eloisa, que mexia profundamente com seus desejos de homem.

- Uma morena de olhos azuis é a minha perdição, ele pensava enquanto sonhava com a moça.

 Acostumado com mulheres morenas de olhos escuros e cobertas com a burca, agora via a moça vestida com roupas leves, que deixavam aparecer seu colo avantajado. Então, Benjamim ficava preso a tela do computador suspirando, enquanto Eloisa falava de si, de seus sonhos e desejos.

Depois que sua esposa falecera, ele se mantivera solitário. As mulheres conhecidas tinham medo dele, pois, sua fama era terrível. Então, se isolou em um canto e, agora com o novo amor retornava a vida com muita ganância. Queria aquela mulher, custasse o que fosse, não iria desistir dela.

            A conversa foi mais um monólogo do que um diálogo; ele contemplava e ela falava. Ele a via com os olhos do coração e quando ela disse:
             - Boa noite, meu general. Eu te amo.

            Ele se derreteu todo; estava preso pelo laço do amor.

Um texto de Eva Ibrahim.

sexta-feira, 24 de março de 2017

"UM DIA, ALGUÉM VAI TE ABRAÇAR TÃO FORTE, QUE TODOS OS PEDAÇOS QUEBRADOS DENTRO DE VOCÊ, SE JUNTARÃO NOVAMENTE". AUTOR DESCONHECIDO.

COMO UMA DEUSA
CAPÍTULO DOIS
           Benjamim acordou no meio da noite e, de um salto levantou-se. A madrugada apenas despontava e ele tratou de se vestir, iria ver seu amor no computador. Havia um fuso horário de seis horas entre um país e outro e ele só tinha internet em seu escritório, que distava cinquenta quilômetros de sua casa. Se ele chegasse ao escritório as quatro horas da manhã, ela ainda estaria acordada, pois, seria apenas, vinte e duas horas no Brasil.

               Em um pequeno país do Golfo Árabe, cheio de tradições religiosas e culturais vivia aquele homem durão, que tinha um coração sedento de amor. Enquanto dirigia sua caminhonete ele fantasiava seu encontro com Eloisa. Dirigia rápido pela rodovia principal, pois, sabia que era terreno perigoso; poderia sofrer uma emboscada. Entretanto, ele estava de bem com a vida e nada poderia detê-lo; atendia ao chamado do coração.

               Um coração duro, que acordara para o amor e agora batia forte e acelerado ao pensar em ver aqueles olhos azuis novamente. A emoção percorria seu corpo e ele desejava estar com Eloisa. Chegou e colocou água para ferver; iria fazer um chá e depois chamar por seu amor.

               O escritório era apropriado para um homem em sua posição. Era composto de uma sala ampla, onde ele atendia os subordinados para lhes dar ordens ou superiores e amigos. Nas paredes havia muitos quadros, lembranças de sua viagem a Meca. Um quarto arejado de descanso, com suas roupas de trabalho e um banheiro. Ao lado, uma pequena cozinha para o caso de ele pernoitar ali.

             Enquanto a água fervia, ele ligou o computador e depois retornou para preparar o chá. Em seguida, sentou-se em frente a tela do computador com a chávena de chá nas mãos e o charuto ao lado.

Chamou por Eloisa, uma, duas, três vezes e seu semblante entristeceu.
          - Será que ela havia saído ou estaria dormindo?

          Não houve resposta e ele viu o dia amanhecer sentado em frente ao computador, com o semblante carregado e o coração partido. Seu esforço fora em vão, então, foi para o trabalho entristecido; não queria conversa. Descontou nas pessoas que o auxiliavam.

          – O general estava rígido demais, comentaram alguns soldados, depois de serem humilhados por ele.

Seu coração estava triste e o pensamento em seu amor. Trocou poucas palavras com seu copiloto, enquanto patrulhavam os esconderijos dos rebeldes. Logo chegou a hora do almoço e Benjamim, com a carranca fechada, retornou ao escritório e para sua surpresa havia um chamado de Eloisa no Skype.

- Bom dia meu General. Perdão, mas eu estava cansada, fui dormir cedo e não ouvi seu chamado. Pronto, seu coração vibrou, ela estava se desculpando e seu dia clareou. A desculpava sim, com certeza, era o amor de sua vida, pensou sorrindo com o coração dando saltos de alegria.

                 Tratou então, de combinar para aquela noite outro encontro no computador. Deixou o recado gravado no Skype e passou o resto do dia alegre e cordato para surpresa de todos. Ainda estava claro quando Benjamim foi para sua casa; precisava descansar para se levantar na madrugada e retornar ao seu escritório.

            Ansiava por rever Eloisa, sentia-se apaixonado por ela. Antes de dormir ouviu relâmpagos e trovões e foi se deitar com uma grande preocupação.

           - E, se acabasse a energia e ele não conseguisse ver sua amada? Dormiu e teve pesadelos com a chuva que caia torrencialmente, fazendo grande barulho em sua janela.

                 As três horas da madrugada ele levantou-se e saiu para o escritório. A chuva havia parado, mas havia muitas árvores caídas pelo caminho. Seguiu metodicamente os passos da noite anterior e chamou por Eloisa.

                 Na terceira chamada ela apareceu na tela do computador. Estava bonita como uma deusa, pensou Benjamim.

Um texto de Eva Ibrahim

sábado, 18 de março de 2017

"HÁ OLHOS QUE AGRADAM E ACARICIAM A GENTE COMO SE FOSSEM MÃOS". RUBEM ALVES

CASCA DURA

ELOISA, MEU AMOR
        O General Benjamin, homem grosseiro, muitas vezes cruel, acostumado a ser obedecido, muçulmano fervoroso, que servia ao exército de seu país, estava viúvo a quase uma década e andava muito triste. Alguns amigos já haviam notado e tinham sugerido que arrumasse outra mulher ou outras mulheres, se ele quisesse.

          Para um General do exército tudo era concedido, já que sua religião permitia até quatro mulheres. No entanto, ele trabalhava muito e não tinha paciência para gerenciar mulheres ciumentas, barulhentas e invejosas. Era assim que justificava sua solidão para os amigos e familiares.

           Gostava de sossego, fumar seu charuto em paz; era seu momento de lazer. A cada baforada, Benjamim afagava seu cão de estimação, que só obedecia a ele; Furacão era seu nome. Jejuava frequentemente e cumpria as obrigações do Ramadã. Fora conhecer a Meca e ostentava as fotografias penduradas nas paredes do escritório. Aquela viagem fora o maior feito de sua vida e seu maior orgulho.

            Benjamin tinha apenas 53 anos de idade, homem curtido pela vida, que estava sempre em risco. Um piloto de helicóptero que já estivera diante da morte por diversas vezes. Tinha uma cicatriz grande na perna direita, que puxava quando ele andava provocando um forte claudicar, mas que não o impedia de exercer sua função de piloto. Era sequela de estilhaços de bomba, que o atingira em um ataque rebelde.

          No entanto, seu corpo rijo precisava vibrar; sentia necessidade de manter relações sexuais com uma mulher. Ainda era jovem e o prazer da carne era forte em sua mente. Entretanto, tinha fama de durão e não queria manchar sua imagem namorando alguma mulher interesseira. Seria motivo para comentários desairosos entre seus subordinados, que ele mantinha rigidamente em seus postos.

          Num país conservador onde ele poderia ter várias esposas, ele não queria expor suas filhas e netos a uma ou mais mulheres estranhas dentro de sua casa. O país vivia em guerra e ele não conseguiria assumir outros compromissos além de sua família, pois se dedicava integralmente as regras rígidas estabelecidas pelo governo. Precisava somente se divertir um pouco, no entanto, não queria que ninguém soubesse; tinha que ser um segredo bem guardado.

Entrou em um site de relacionamentos com a única intenção de satisfazer seus desejos, ainda que pela internet. Demorou para encontrar uma mulher que lhe agradasse. Então, certo dia viu a foto que mexeu com seus sentidos; morena bonita, que estava dentro de seus padrões para uma amante.

         Fez contato e passou dias esperando a resposta.
          – Sim, podemos conversar, a moça respondeu.

          No mesmo dia, começaram a conversar trocando ideias. Benjamim queria vê-la no Skype; foi amor à primeira vista. Com um tradutor ele conversava com sua amada, mas eram seus olhos azuis que ele mais admirava.
            - Duas contas da cor do céu, pensava o homem apaixonado. 

         O General altivo, se tornava manso e amoroso diante da escolhida. Não se cansava de dizer que a moça era linda e que sentia atração por ela, era amor verdadeiro; queria estar junto dela todos os dias. Ficava eufórico só em pensar que ela estaria esperando por ele.

Uma paixão avassaladora que se desenvolvia do outro lado do mundo. Eloisa era seu nome e morava no Brasil. Uma mulher pouco indicada para ele, bonita, cristã e moderna. O general vivia em um país fechado ao turismo, porque estava sempre em guerra contra os rebeldes separatistas. No entanto, amor não tem fronteira e ele pensava o dia todo em Eloisa.
 – É o meu amor, dizia baixinho.

Um texto de Eva Ibrahim. 

sábado, 11 de março de 2017

"SE UM DIA A RAZÃO TE PEDIR PARA DESISTIR E O CORAÇÃO TE MANDAR LUTAR, ENTÃO, LUTE. POIS, NÃO É A RAZÃO QUE BATE PARA VOCÊ VIVER E SIM O CORAÇÃO". C, MENEZES

OLHOS VERMELHOS
CAPÍTULO OITO
          Marília abriu a carta e leu que deveria se apresentar com documentos em lugar e hora determinados para assumir seu cargo. Ela sonhara com aquele momento e precisava do emprego mais que tudo em sua vida, tinha dois filhos para criar, então, ela desabou.

      Chorou muito, até seus olhos ficarem inchados, depois foi tomar banho; queria lavar a alma para se livrar de tantas angustias passadas. Encerrar aquele capítulo triste de sua vida e iniciar outro menos sofrido.

             As crianças chegaram da escola e encontraram uma mãe mais alegre, cheia de planos para o futuro. Estava arrumando os documentos e planejando como faria para cuidar da casa, das crianças e trabalhar. Sentia-se pronta para lutar, uma verdadeira leoa para defender sua casa e seus filhotes.

             Enquanto mexia em seus documentos encontrou uma foto de seu casamento, um dia feliz, cheio de sonhos de amor e agora implorava a Deus para afastar o marido dali.

           – Que ironia! O amor não é eterno se não for cultivado com amizade e respeito, pensou a moça entre lágrimas.

           Com os olhos vermelhos de tanto chorar guardou a foto e lembrou-se do ditado que a fizera estudar até a exaustão. “Colhemos, infalivelmente, resultados proporcionais aos nossos esforços”. Sim, Marília sentia-se abençoada com um emprego fixo tão almejado por muita gente; funcionária pública. Estava feliz pela conquista, mas uma nostalgia pelo passado a deixava triste.

          Ela sabia que sua vida seria difícil, porém, com um futuro que dependia somente dela; não se submeteria mais as exigências de um marido alcoólatra.

No entanto, demorou alguns dias para ela escolher aonde iria trabalhar. Finalmente o grande dia chegou, fora empossada em caráter experimental, mas faria tudo para passar na experiência. Iria trabalhar em um Posto de Saúde e estava muito feliz com o novo emprego. Começava ali uma nova vida para Marília, que acreditou em um ditado popular e se esforçou ao máximo para passar no exame.

             Seu primeiro dia de trabalho terminou e na volta para casa ela entrou na Igreja para agradecer a Deus pelo futuro promissor. E, quando saiu tinha os olhos vermelhos de tanto chorar, mas era um choro de alegria.

           O importante era o fato de ela ter resistido ao vendaval que assolara sua vida. Sendo assim, ela seguiria em frente com o que o vento não levou ou ela não deixou que levasse. Estava íntegra, permanecera dígna e segura para viver sua vida.

Um texto de Eva Ibrahim

sábado, 4 de março de 2017

"NO LIMITE DAS MINHAS FORÇAS ESTÁ TODA A NATUREZA DA DOR, DO MEDO,DA FÚRIA, DA BONDADE, DO ÓDIO E DO AMOR E, NADA EXCEDE MAIS QUE ISTO". HELENILSON PERSI


A CARTA DE ALFORRIA
CAPÍTULO SETE
             As dificuldades só aumentavam, não havia dinheiro para nada; a situação era desesperadora. Marília fez mais dois concursos e passou em todos. No entanto, havia demora na convocação dos classificados, apesar de todas as orações e promessas diárias, nada acontecia; parecia que o mundo estava contra ela.

           Leandro ainda conseguia ganhar algum dinheiro, ajudava seu irmão na loja de autopeças e pagava as contas mais urgentes, tais como: água, luz, gás de cozinha. A comida vinha dos irmãos de Marília, que já não aguentava mais a longa espera para conseguir trabalho. Acordava no meio da noite e conversava com Deus, para pedir misericórdia e não entrar em depressão.

             - A maior angustia de uma pessoa é não saber o que será o seu amanhã, dizia choramingando, a mulher desesperada.

           Mas, o pior ainda estava por vir. Leandro, depois de uma festa regada a álcool, deu carona a uma amiga e os dois filhos dela no seu automóvel. E, quando fez uma curva fechada, perdeu o controle subindo na calçada e batendo com o veículo no muro.

             O carro foi guinchado, as crianças levadas ao Hospital e Leandro autuado em flagrante por dirigir bêbado. Passou a noite na delegacia e, no dia seguinte, seu irmão pagou fiança para ele sair e responder ao processo em liberdade. Para sua sorte, ninguém se feriu gravemente, mas ele ficou a pé, pois não pagava o seguro do veículo já fazia tempo, então, passou a beber ainda mais.

             Os irmãos de Leandro, juntamente com sua mãe, decidiram interna-lo em uma clínica de recuperação. A princípio ele resistiu, mas acabou concordando, pois estava seriamente doente. Ele não se alimentava e a bebida o havia enfraquecido, ele mal conseguia parar em pé.

            Logo em seguida, fora encontrado caído na rua e foi socorrido pela ambulância municipal; estava no último estágio da decadência. E no dia seguinte, foi encaminhado à uma clínica de recuperação pela sua família.

Com o marido internado e incomunicável por pelo menos trinta dias, Marília respirou aliviada. Porque assim, ele não apareceria ali para atormentá-la e ela poderia esperar sua convocação em paz. Acreditava que tudo o que fizera teria um retorno infalível e que Deus olhava por ela.

Passou janeiro e quando chegou fevereiro, Marília teve notícias de que a prefeitura estava convocando os concursados para assumir seus postos. Foram dias de muita angustia, a chegada do carteiro era a coisa mais importante do mundo. Muitas decepções e novas esperanças, até o dia em que o carteiro gritou seu nome no portão; era a sua carta de alforria; a convocação para o trabalho.

Ela adentrou a casa com o seu tesouro nas mãos; as lágrimas corriam pelo seu rosto e ela não conseguia ler o que dizia a missiva. Então, foi lavar o rosto para se acalmar e poder seguir as instruções para se apresentar ao local indicado.

Um texto de Eva Ibrahim

sábado, 25 de fevereiro de 2017

"NÃO HÁ NADA QUE POSSA SER EVITADO E, SIM AMENIZADO COM PACIÊNCIA, FÉ E TOLERÂNCIA". AUTOR DESCONHECIDO

UM DIA DE CADA VEZ

CAPÍTULO SEIS

            Marília não sabia como conviver com tantas incertezas, seu futuro estava cheio de dúvidas. Precisava trabalhar para se sustentar e ficar livre da opressão exercida por Leandro. Ela sabia que enquanto dependesse dele para alimentar os filhos, estaria presa aos seus desatinos. Suas noites eram terríveis, o pouco que dormia tinha pesadelos e acordava assustada. Vivia rezando para afastar tantos pensamentos ruins, que ficavam martelando em sua cabeça.

           Finalmente saiu o resultado do concurso e ela ficou feliz, fora muito bem classificada, mas tinha urgência em trabalhar e não sabia quando iriam chamar os novos concursados. A informação que tinha era, de que somente no início do ano seguinte a prefeitura iria convocar os novos funcionários.

           Estavam em novembro e ela sentia-se desanimada, pois ainda teria que suportar aquela situação por alguns meses. Os dias se arrastavam lentamente e ela continuava com sua vida monótona. Tremia só em imaginar que o marido pudesse chegar e ameaça-la novamente.

           Para esquecer a situação estabelecida, ela se enfiava nos livros, principalmente a Bíblia, que lhe trazia algum conforto. Pedia misericórdia a Deus e ficava à espera de algum acontecimento bom em sua vida. O Natal chegou e a comemoração foi simples ao lado dos dois filhos; Leandro apareceu, mas estava tão bêbado que pouco falou e quando saiu ela deu graças a Deus.

               E, o ano novo chegou sem nenhuma novidade. Amanheceu um novo dia e Marília não pretendia fazer nada diferente, estava em compasso de espera. Faria um almoço para as crianças e ficariam em casa, mas o seu marido apareceu trazendo consigo um amigo dos bares. Leandro trazia nas mãos uma sacola com bebidas e o amigo outra sacola com carnes. Entrou dizendo que iriam fazer churrasco para comemorar o ano novo.

               A mulher tremeu, lembrando-se da última vez em que ele esteve ali com o revolver nas mãos.
            - O que farei para afastá-lo daqui?

               Os dois homens já estavam bêbados, sujos e fedidos; um nó parecia tomar conta de sua garganta. Ela tentou protestar, mas o som não saiu de sua boca, ela queria chorar.

             - Como o homem com quem me casei se tornou neste ser tão abominável? Ela não se conformava em ver aquela situação diante dos filhos. A decadência do marido era visível e a companhia lamentável.

           As crianças, Laura e João, tinham medo do pai e foram ver TV no quarto e quando ele as chamava, elas atendiam e saiam rapidinho. O ano novo estava irremediavelmente estragado; o jeito era rezar e esperar.

           Os dois homens saíram no meio da tarde e Marília ficou limpando a sujeira que deixaram. Seus olhos estavam vermelhos de tanto chorar, parecia que nunca mais teria sossego na vida. Não tinha mais ilusões, viveria um dia de cada vez.


Um texto de Eva Ibrahim. Continua na próxima semana.
MEU MUNDO REINVENTADO.

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