MOSTRAR VISUALIZAÇÕES DE PÁGINAS

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

"ABRAÇO É A ÚNICA COISA DO MUNDO QUE QUANTO MAIS APERTADO ELE É, MAIS ALÍVIO ELE DÁ".-- HUGO RODRIGUES-- O CHORO DIMINUI A INTENSIDADE DA DOR. EVA IBRAHIM

DESABAFO
CAPÍTULO VINTE E UM
           Reinaldo continuou contando à Celina todo o seu sofrimento com a morte de sua esposa. Ele ficou só e com duas crianças para cuidar. Amava os filhos, porém, naquele momento precisava refletir para encarar todas as responsabilidades decorrentes da nova situação. Deixara Larissa e Vitor com a avó materna e retornou para sua casa.

          Uma casa semiabandonada, sem vida e cheia de recordações. As boas lembranças pareciam distantes, enquanto as ruins estavam por toda parte. Uma fotografia do casal abraçado e feliz estava sobre o aparador; o rapaz pegou a foto e por um momento fixou seu olhar no sorriso de Amanda. Então, chorou desesperadamente; sua amada não existia mais. Sentiu-se o mais desamparado dos homens; não havia futuro para ele, queria embebedar-se.

Abriu a geladeira e pegou uma garrafa de vinho que estava ali fazia tempo. Em seguida se jogou no sofá e tomou a bebida gelada, sorvendo com a boca no gargalo. Bebeu até o último gole e depois caiu no sono ali mesmo. Estava exausto, não queria pensar em mais nada, somente dormir e esquecer.

Reinaldo acordou com o Sol batendo em seu rosto e com a cabeça latejando. Estava com fome, então, levantou-se para procurar comida, cambaleou e segurando nos móveis abriu a geladeira. Havia pouca coisa ali, pois a família ficara na casa da sogra, desde o agravo da doença de Amanda. Tomou um pouco de água e foi tomar banho, comeria na padaria antes de ir trabalhar.

O banho foi para lavar sua alma, além do corpo, sentia-se sujo depois de tantos dias passados no Hospital. Precisava respirar e tomar coragem para conversar com os filhos sobre a partida prematura da mãe. Essa missão era de sua responsabilidade e não queria traumatiza-los.

Foi direto para o trabalho e a noite passaria na casa da sogra para ver os filhos. O dia transcorreu normalmente, apesar de perceber olhares de piedade da maioria dos funcionários da Drogaria. Entretanto, procurou se concentrar no trabalho para não pensar em nada relacionado aos últimos acontecimentos.

Conversou com as crianças depois do jantar, Larissa e Vitor concordaram que a mãe fora morar com Deus e foram brincar, não entenderam a extensão da informação. Reinaldo agradeceu a Deus, não aguentaria ver os filhos chorando. Em seguida foi para sua casa; as crianças ficariam com a avó. Rute gostava de ter os netos por perto, assim, não tinha tempo de pensar na morte da filha.

                 Era isso que ele tinha a dizer sobre tudo que vivera nos últimos meses. Estava vivendo um dia de cada vez até encontra-la, disse à Celina, que o ouvia atenta. E, a partir daquele dia sentiu que, ainda havia uma esperança no ar. O rapaz, com os olhos cheios de lágrimas, abraçou Celina.

             - Tenha paciência comigo, isso tudo vai passar, então, poderemos falar sobre nós.

                 Ela concordou com a cabeça, sentia um grande carinho por ele; o seu luto já estava no final, porém, Reinaldo ainda estava muito machucado.
Um texto de Eva Ibrahim.

Continua no próximo capítulo.

sexta-feira, 31 de julho de 2015

"ABRAÇAR É DIZER COM AS MÃOS O QUE A BOCA NÃO CONSEGUE, PORQUE NEM SEMPRE EXISTE PALAVRA PRA DIZER TUDO".MÁRIO QUINTANA -- ABRA O SEU CORAÇÃO PARA UMA NOVA VIDA. EVA IBRAHIM

EU PRECISO DE COLO

CAPÍTULO VINTE
Os dias se arrastavam e Amanda não dava sinais de melhora. Algumas vezes chamava os filhos e os acariciava dizendo palavras de amor; entretanto, logo seus olhos enchiam-se de lágrimas e a avó os tirava dali. As crianças eram pequenas para compreender o drama que a família estava passando.

Larissa tinha somente cinco anos, no entanto, sabia que sua mãe estava doente e procurava ficar por perto para atende-la em suas necessidades. Levava água para a mãe e a ajudava a tomar os remédios, mas o pequeno Vitor se agarrara a avó.

- A minha mãe está sempre dormindo - dizia correndo pelo jardim.

Reinaldo precisava cuidar da sua Drogaria para suprir as necessidades da família. Com a doença da esposa as despesas aumentaram muito. Amanda passava mal após as quimioterapias e precisava ser internada no Hospital. A paciente vomitava muito e sentia dores horríveis. Os médicos estavam pessimistas, o caso era complicado e não havia progressos; estavam perdendo a paciente para o câncer. Ela recebia tratamento paliativo para amenizar suas dores e controlar o vômito; nada mais podia ser feito.

O rapaz continuava relatando os fatos com amargura, falava entre linhas para segurar as lágrimas e engolir o choro. A história da doença de Amanda doía como se fosse uma faca cravada em seu peito, disse para Celina enquanto deitava sua cabeça no colo da moça. Ficou ali por um bom tempo e baixinho sussurrou:

 - Eu quero colo, estou carente e só você pode me ajudar.

A moça, emocionada, lhe deu um breve beijo, não sabia o que dizer para uma situação tão definitiva. Ela também precisava de colo, porém, ambos necessitavam de calma; aquilo tudo tinha necessidade de passar para que suas ideias clareassem; estavam sob forte emoção e não era hora de decisões.

          O luto deve ser vivido em toda sua amargura; são dias escuros cheios de lembranças de um passado que não volta mais. No entanto, às vezes é preciso desabafar ou a depressão se instala e a vida perde o sentido. O melhor caminho é chorar com quem conhece a mesma dor, a mesma solidão e a falta de futuro.   
                
          A dor sofrida deixa a pessoa arredia; não quer falar sobre o assunto, pois, é como se tocasse na ferida aberta. No entanto, quando encontra alguém para partilhar a mesma dor, aquieta o coração percebendo que o sofrimento não é exclusividade de ninguém e aceita uma nova tentativa. É o começo de aceitação de uma dor profunda, que deve e precisa ser deixada de lado.

         Juntar duas pessoas que trazem consigo histórias pesadas de dores intensas é uma maneira de amenizar a dor e afastar a tristeza gerando aceitação e conforto. Assim, podemos afirmar que é a conquista da serenidade pelos caminhos mais difíceis.

Reinaldo não tinha tempo para dar assistência aos filhos, vivia entre a Drogaria e o Hospital; os filhos ficavam aos cuidados das avós, ora uma ora outra. Amanda estava sofrendo e ele nada podia fazer para amenizar a situação; ela pressentia que iria morrer e pedia que ele cuidasse bem das crianças. Durante um mês inteiro, Reinaldo passou as noites sentado em uma poltrona ao lado da cama de sua esposa, que definhava a olhos vistos.

Foi em uma manhã de sábado que Amanda pediu para ele chamar o Padre, ela queria receber a extrema unção; estava perdendo a luta e entregando sua vida a Deus. Depois da bênção os dois choraram abraçados e naquela madrugada a última chama de vida se apagou para Amanda.

Um texto de Eva Ibrahim.
Continua na próxima semana.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

"A LÁGRIMA MAIS PESADA É AQUELA QUE NÃO CAI." AUTOR DESCONHECIDO -- NÃO TENTE SER FORTE, APENAS SEJA VERDADEIRO" EVA IBRAHIM


                     CÂNCER DE MAMA

                                   CAPÍTULO DEZENOVE
     Reinaldo continuava contando, visivelmente emocionado, o drama de Amanda. Dos exames para a biópsia foi rápido; o médico tinha pressa em fechar um diagnóstico, pois temia o pior. Depois de alguns dias de angustia veio o veredicto final: Câncer de Mama invasivo. Duas lágrimas rolaram de seu rosto. Ele as enxugou com o dorso da mão; em seguida tomou um gole de suco ou não conseguiria prosseguir. O diagnóstico soava como uma sentença de morte, soluçou o rapaz, o que depois se confirmou.

Celina cobriu as mãos de Reinaldo com as mãos dela em sinal de solidariedade. Na verdade, queria abraça-lo e afagar seus cabelos, conhecia todo aquele sofrimento, então disse:
 - Chega dessas lembranças dolorosas, vamos caminhar e falar de outros assuntos; outro dia você continua.

          O rapaz concordou, estava muito abalado, precisava de ar puro. Ainda estava fragilizado, os acontecimentos da passagem de Amanda eram recentes; havia um buraco em seu coração. Pagou a conta e saiu segurando a mão de Celina, que se deixou conduzir para um parque onde havia muita gente e crianças se divertindo.

           Ficaram um tempo parados contemplando a vida e a alegria que havia lá fora. Carrinhos de pipoca, roda gigante, balões e muitas crianças sorrindo em meio ao vai e vem das pessoas; precisavam contemplar a vida para ter esperanças.

Em um certo momento ele a puxou para si e aconchegou seu rosto em seu peito, alisando seus cabelos. Ela se deixou ficar; aquele parecia ser um lugar seguro e aconchegante, de onde ela não gostaria de sair, nunca mais. A noite estava linda e ambos caminhavam como se fossem íntimos; estavam unidos pela dor da perda. Andaram a esmo, tomaram sorvete e riram de algumas coisas, depois foram para casa, estavam aliviados. Entretanto, não se tocaram como namorados; ainda, era muito cedo, traziam no peito corações partidos.

Depois de três dias, Celina não se conteve e telefonou para Reinaldo, que ficou de encontrá-la na saída da escola, gostava de sua companhia. Sentados no banco da praça, o rapaz prosseguia em sua história com Amanda. Agarrada aos filhos sua esposa chorou e depois pediu para o marido distraí-los; não queria assustá-los.

Amanda sabia que a sua situação era delicada, entretanto, seguiria todas as orientações médicas; queria ver os filhos crescerem. Começou, então, uma grande luta contra o câncer. Primeiro veio a radioterapia para diminuir o nódulo e depois a cirurgia radical com a retirada dos linfonodos. A moça perdeu uma mama e iniciou a quimioterapia. Cada sessão do medicamento era seguida de vômitos e dias de intensa fraqueza, que a fazia recusar comida. Os seus cabelos começaram a cair e seu corpo foi perdendo massa muscular.

Em três meses, Amanda parecia apenas uma sombra da moça bonita com quem Reinaldo se casara. Fecharam a casa e foram para a casa da mãe dela. Rute, a mãe de Amanda, cuidava das crianças para a filha poder descansar, pois ela passava a maior parte do tempo deitada; não tinha ânimo para nada.

A cicatriz cirúrgica apresentava vários pontos de necrose e infecção. A outra mama ficou entumecida, onde abriram várias feridas, que só aumentavam, apesar dos curativos e cuidados dos profissionais de saúde.  No sexto mês, o médico foi taxativo:
 - Estavam perdendo a luta para o câncer, que era dos mais agressivos. A paciente estava piorando a olhos vistos e não respondia ao tratamento.

Amanda parecia uma flor murcha aninhada na cama, mal podia falar; se entregara à doença. Reinaldo estava desesperado e procurava atender a todos os seus desejos, pois via nos olhos da esposa que havia poucas esperanças de restabelecimento.

Duas lágrimas teimaram em rolar pelo seu rosto e Celina, delicadamente, as aparou com a mão. O rapaz, comovido, segurou a mão da moça e a beijou em agradecimento.
Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

"PARA O CAMINHO: LUZ; PARA A VIDA: FORÇA; PARA O AMANHÃ: FÉ E PARA TOMAR A FRENTE DE TUDO: DEUS. YLA FERNANDES-- FELIZ É AQUELE QUE NÃO DESISTE DE SEUS SONHOS. EVA IBRAHIM.

                       AFINIDADE
CAPÍTULO DEZOITO
   Celina estava amargurada, aquele dia lhe trazia muitas recordações. As lembranças tristes se sobrepunham as alegrias vividas naquela data e ela trazia os olhos cheios de lágrimas quando se voltou para Reinaldo. O rapaz, condoído com a situação, passou os braços ao redor do corpo de Celina e a conduziu para fora da Igreja. Rapidamente adentraram à uma lanchonete e quando a moça se deu conta da situação, já estavam sentados em uma mesa nos fundos do estabelecimento.

 Era um lugar reservado, onde eles poderiam manter um diálogo, longe dos olhos do mundo. Ele compreendia sua dor, disse Reinaldo, pois padecia da mesma amargura. Pediram um suco, precisavam aliviar o nó que traziam na garganta. O rapaz queria ouvi-la e depois lhe contaria sua história.

A moça contava sua desventura e Reinaldo aquiescia com a cabeça; deixou que ela chorasse sempre que a emoção falava mais alto. Na realidade, naquele lugar aconteceu um monólogo, pois, Celina falava e o rapaz ouvia atentamente. A moça lavou sua alma, pôs para fora todos os tormentos, que havia guardado durante aquele ano. Quando terminou, olhou para o rapaz e suspirou.

– Como conseguira falar tudo que sentia para um estranho?

 Ele segurou sua mão e disse que não era mais um estranho, uma vez que conhecia sua história. Celina olhou para o relógio e disse que deveria se apressar, já estava tarde. Sentiu-se culpada, parecia estar traindo Fernando. Reinaldo concordou dizendo que ela poderia ir, mas deveria marcar um novo encontro com ele para ouvir a sua história. Ela sorriu e aquiesceu, poderiam se ver no dia seguinte; também gostara de conversar com ele.

Finalmente ela conseguira falar de seus sentimentos e sentia-se aliviada. Aquele homem conhecia a dor da qual ela falava, estava escrito em seus olhos. Eram parceiros na desventura e tinham uma estranha afinidade. Ela sentia-se mais leve e ansiosa por ouvir a história dele; queria ajuda-lo também.

No horário marcado os dois se encontraram na lanchonete e foram sentar-se na mesma mesa, parecia que desde sempre marcavam encontros ali, naquele lugar. Tudo estava igual ao dia anterior, os dois corações pulsavam forte dentro do peito; havia uma atração mágica entre eles.

Reinaldo, segurando a mão de Celina começou a contar os últimos meses de sua vida. Casara-se há cinco anos com Amanda, estavam apaixonados e logo encomendaram a pequena Larissa; uma criança linda. Quando a filha completou dois anos nasceu Vitor, que agora tinha dois anos de idade. Formavam um casal feliz, tinham uma família linda, saudável e estabilidade financeira. Reinaldo era farmacêutico e dono de uma drogaria.

Ele, Amanda e as crianças conseguiram tirar uma semana de férias e foram para a praia. Estavam felizes descansando em um Hotel maravilhoso em frente ao mar. As crianças adoravam andar na orla da praia recolhendo conchas, que a água do mar despejava na areia. No terceiro dia estavam cansados e felizes; entretanto, sua esposa saiu do banho com uma expressão assustadora e quando ele quis saber o motivo ela começou a chorar.

Entre soluços, ela conseguiu falar que encontrara um nódulo no seio esquerdo durante a apalpação. Reinaldo a aconchegou em seus braços e disse que procurariam um médico e resolveriam a situação. Ela gemia e dizia que duas tias, irmãs de sua mãe, haviam morrido de câncer de mama, estava na genética da família.

               Naquele mesmo dia voltaram para casa num clima pesado; Amanda pressentia algo de ruim, que a deixava transtornada. A consulta foi marcada e Reinaldo acompanhou a esposa. O médico apalpou o nódulo e fez uma cara estranha, que deixou o casal apreensivo. Em seguida pediu uma porção de exames: de imagem, de ultrassom e de sangue, dizendo ser precoce dizer alguma coisa, queria ver os exames.
Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

"É O TEMPO DA TRAVESSIA E, SE NÃO OUSARMOS FAZÊ-LO TEREMOS FICADO, PARA SEMPRE, A MARGEM DE NÓS MESMOS". FERNANDO PESSOA-- É LÁ DE CIMA QUE VEM SUA FORÇA!!! EVA IBRAHIM

ATRAVESSAR A PRÓPRIA SOLIDÃO
                                           CAPÍTULO DEZESSETE
              A missa prosseguiu solene em intenção aos entes queridos de vários paroquianos. O organista tirava notas doídas do instrumento musical. Havia tristeza no ambiente carregado de orações e emoções contidas. Quando a celebração terminou, alguns familiares pararam para cumprimentar conhecidos e a sogra de Celina se afastou um pouco da moça. Reinaldo se aproximou e estendeu a mão para cumprimenta-la dizendo que, sentia muito por tudo que acontecera com Fernando.

             Celina respondeu dizendo que também sentia pela morte prematura de Amanda. Em seguida, a moça ruborizada, pediu licença e foi procurar a sogra. As duas mulheres saíram da Igreja mais conformadas; não estavam sós no sofrimento da perda. A busca de Deus conforta e proporciona atravessar a própria solidão gerando conforto e menos sofrimento.

             Viver o silêncio exterior, que é importante, mas fundamentalmente o silêncio interior, que age como abertura quando descobrimos que a nossa verdadeira identidade se desvenda na presença do mistério de Deus, que nos habita. A solidão, tantas vezes sentida como dor intensa, quando atravessada abre uma nova porta para a vida.

Celina voltou para casa pensativa; não tirava da cabeça o gesto de Reinaldo. Ele conhecia a história dela e também estava sofrendo. Em seu íntimo sentiu vontade de consolá-lo, já amargara sua cota de sofrimento e agora sentia-se mais leve para lhe dizer que, “afinal a vida continua”.

A viúva estava mais disposta, queria sair e andar a esmo; havia sofrido muito e o tempo começava a anestesiar sua dor. Ir à missa tornara-se um hábito e consequentemente as antigas amizades voltaram a chama-la para sair. No entanto, o tempo não para e nove meses da morte de Fernando e um ano de casamento se passaram; uma data impossível de não se lembrar.

Celina foi à Igreja para aliviar seu coração cheio de amargura e quando adentrava ao local, apesar de ser dia de semana, viu que já havia algumas pessoas ajoelhadas diante do Santíssimo, fazendo suas orações. Foi juntar-se a elas e quando ajoelhou viu Reinaldo no banco detrás. Ele a cumprimentou com a cabeça e um leve sorriso; seu coração disparou.

Ambos ficaram ajoelhados, rezando com o pensamento disperso, um pensava no outro; havia uma ligação de perda entre eles. Depois de um certo tempo, ela saiu apressada; sentia seu rosto ferver. Reinaldo foi atrás e quando a alcançou disse que precisavam conversar; era inevitável aquele encontro. Tinham um assunto em comum, estavam viúvos e carentes. Precisavam de um ouvinte que entendesse de perdas; que houvesse experimentado o amor e suas surpresas, a dor e seus enganos.
Um texto de Eva Ibrahim.
Continua na próxima semana.


sexta-feira, 3 de julho de 2015

"UM DIA APÓS O OUTRO, É ASSIM QUE A VIDA VAI SEGUINDO; VAI MUDANDO, VAI VIRANDO PASSADO". AUTOR DESCONHECIDO-- E, O FUTURO A DEUS PERTENCE. EVA IBRAHIM

TEMPOS DIFÍCEIS

CAPÍTULO DEZESSEIS

         A cada dia que Celina acordava em sua antiga cama, lhe dava a certeza de que estava irremediavelmente só. Ela conseguia dormir, somente após tomar calmantes. Então, mergulhava num sono profundo onde não havia lugar para seus fantasmas; vivia dopada. Muitas vezes pensou em ir juntar-se ao marido, porém, tinha medo da ira de Deus. Não queria causar mais sofrimento aos seus pais e temia o inferno. Motivos mais que suficientes para continuar viva.

           Um mês, dois, três e ela deveria retornar ao trabalho. O psicólogo dissera que já era tempo de cicatrizar a ferida e ela precisava de ocupação. A moça concordou, voltaria à escola e tentaria agir normalmente, "afinal a vida continua", todos diziam isso; parecia um mantra que alguém inventou para ela.

               Celina tinha pensamentos contraditórios, pois ao mesmo tempo que queria esquecer todo o sofrimento por que passara, queria relembrar os momentos felizes e eles acabavam se misturando. No entanto, ela não poderia simplesmente apagar tudo e recomeçar como se nada tivesse acontecido. Aquela era a sua história de amor, referência de sua juventude; teria que aprender a conviver com a realidade. Tornara-se uma mulher solitária, que procurava uma saída para se conformar com a situação.

               As crises de choro diminuíram, porque ela não tinha muito tempo para tristezas; as aulas tomavam grande parte de seus dias. O difícil era aguentar os finais de semana e feriados, quando ela ficava em casa pensando em seu amor. Sua família tentava arrasta-la para passeios e viagens, porém, ela se negava; dizia que estava de luto.

No sexto mês da morte de Fernando a sogra procurou por ela para irem à missa juntas. A mãe sentia muita saudade do filho e encomendara a missa para aliviar um pouco sua dor. A moça concordou, ele ficaria feliz se as visse juntas. 

            Sentadas na segunda fila dos bancos da Igreja, podiam ver toda a cerimônia de perto. O órgão começou a tocar e o pároco deu início ao sermão sobre os mortos. Finalizando a pregação, referiu-se a um caso recente em que uma jovem havia morrido de câncer. Em seguida, externando suas condolências à família, apontou para o marido que estava na primeira fila. Era a missa de sétimo dia da morte de Amanda, em seguida ele elencou todos os mortos que tinham a missa como intenção.

           E, quando falou o nome de Fernando, o rapaz olhou para trás e cruzou o olhar com Celina. Com os olhos marejados de lágrimas deu um sorriso de cumplicidade; como se dissesse que ela não fora a única a sofrer uma perda tão grande.

            Ela o conhecia, mas não sabia da doença de sua esposa e nem que ela havia morrido. A moça estava surpresa, pelo que ela sabia eles tinham filhos.
          - Reinaldo deveria estar sofrendo muito, coitado! Suspirou a moça olhando para sua sogra.
Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana
MEU MUNDO REINVENTADO.

UM BLOG PARA POSTAR CONTOS CURTOS E EM CAPÍTULOS.