MOSTRAR VISUALIZAÇÕES DE PÁGINAS

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

"BUSCAMOS, NO OUTRO, NÃO A SABEDORIA DO CONSELHO, MAS O SILÊNCIO DA ESCUTA; NÃO A SOLIDEZ DO MÚSCULO, MAS O COLO QUE ACOLHE." RUBEM ALVES---A VIDA É UM MISTÉRIO A SER VIVIDO. EVA IBRAHIM



O BEM MAIS PRECIOSO

 CAPÍTULO CINCO
        Alcir abaixou a cabeça, a emoção tomou conta de sua voz, então, ele começou a gaguejar e as lágrimas desceram fartas de seus olhos. Dirceu levantou-se e pegou um copo com água da moringa, que ficava na mesinha perto do beliche, dentro da cela. Enquanto o companheiro sorvia o líquido, Dirceu perguntou se ele queria parar por ali.

       –Não, de jeito nenhum. Gaguejou o rapaz com a voz embargada.
Ele precisava contar tudo para se livrar do peso que trazia na alma. O sofrimento reprimido por oito anos e a armadura que usava para se apresentar a todos, estava lhe fazendo muito mal; iria contar tudo até o final.
      Respirando fundo, Alcir continuou sua história.

      - Amava a sua mulher com toda a força de seu coração. Respirou fundo e tomando fôlego, continuou.
      Era um sentimento verdadeiro, que viera de um jeito que doía seu peito, o coração disparava quando pensava nela. Ela representava a luz do Sol, a alegria de viver; um sorriso dela encantava seu dia. Desde o momento que a viu pela primeira vez, Sila tornou-se o centro de seu Universo. Gostava de vê-la caminhar em sua direção, balançando seus fartos cabelos louros e quando se aninhava em seus braços ele ficava completo; era seu bem mais precioso.

     Os dois saíram da casa nova com o Sol brilhando alto e, quando chegaram à casa de Sila, a mãe dela os estava esperando, sentada na varanda da casa. A mulher apresentava as feições endurecidas pelo semblante fechado. Levantou-se e com as mãos na cintura perguntou se tinha cara de palhaço. Alcir abaixou a cabeça dizendo que não e Sila começou a chorar.

      - Com certeza estavam pensando que o mal feito ficaria escondido. Disse a mulher irada, em seguida prosseguiu.
     Por enquanto, somente ela sabia que os dois tornaram-se amantes, mas, Alcir teria que marcar a data do casamento naquele mesmo dia, ou ela contaria ao pai e aos filhos, que certamente tomariam providências danosas para ambos.

     Enquanto a moça chorava, o noivo aquiesceu.
     - Casaria com Sila a qualquer momento, já tinham casa para morar.
      Diante de tanta veemência, a mulher depôs as armas, esperaria até a noite para acertarem as datas. Contava com a presença dos pais dele, para se certificar de que estava falando sério.

      Alcir não cabia em si de tamanha felicidade, Sila era seu bem mais precioso e a levaria para o altar com muito amor. Os pais do noivo foram pegos de surpresa e pediram um prazo de dois meses para que tudo fosse arrumado para o casamento. A data foi marcada para a véspera do carnaval, assim eles poderiam viajar e curtir a lua de mel.

      A mãe chamou a atenção da filha com dureza, para a realidade que a aguardava.
     –Será que ela não estaria jogando sua sorte pela janela? Era muito jovem, ainda não estava formada e o noivo parecia muito ciumento. Temia que ele não deixasse ela terminar os estudos, enfatizou a mulher.

     Sila ouviu calada, a mãe poderia ter razão, porém, não queria pensar nisso naquele momento. Estava feliz com a novidade, também amava Alcir e queria desfrutar dessa fase de sua vida, o casamento.

      O dia do casamento chegou e a felicidade estava estampada no rosto dos noivos. Tudo saiu perfeito, a cerimônia, a festa e a saída estratégica do casal de noivos para a viagem ao litoral; Sila queria aproveitar o calor para curtir a praia.

      O carnaval acontecia nas ruas e salões e os dois passeavam agarradinhos pela orla marítima, depois iam dormir de conchinha. Alcir nunca foi tão feliz, queria permanecer ali para sempre. Foi uma semana inteira de muito amor, depois voltaram para casa. Era chegada a hora de enfrentar a realidade que os esperava, cheia de novos compromissos.

Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

"O CAMINHO QUE EU ESCOLHI, É O DO AMOR... NO MEU CAMINHO, O ABRAÇO É APERTADO, O APERTO DE MÃO É SINCERO... É SÓ ASSIM QUE EU ENXERGO A VIDA E, É SÓ ASSIM QUE EU ACREDITO QUE VALHA A PENA VIVER..." CLARICE LISPECTOR--- O AMOR ESQUENTA O CORPO E A ALMA . EVA IBRAHIM

UM BRINDE AO AMOR
CAPÍTULO QUATRO
       Ninguém percebeu nada; era dia de festa. A maioria dos presentes estava de ressaca, passaram a noite comemorando. Alcir parecia uma sombra atrás de Sila, entretanto, não despertou suspeitas, ninguém imaginava que a moça se entregara a ele na noite de Natal. Alcir era um homem apaixonado e todos sabiam disso, estava zelando pela mulher amada.

     Era natural o noivo ficar agarrado a sua noiva, ainda mais agora que ela se tornara sua mulher. Este pensamento o deixava excitado, ele queria ficar a sós com ela novamente, seu corpo tinha necessidade dela. Sila o afastou dizendo que estava toda dolorida e que ele segurasse a onda, teriam a vida toda para se amar. Ele emburrou, não poderia compreender a frieza dela.
      -Será que ela estava arrependida? Ele perguntou baixinho.
  -Não, não estava arrependida, mas, queria um amor tranquilo, sem promessas e urgências; os encontros deveriam acontecer naturalmente, como o da noite anterior.

     Sila o beijou e afagou seus cabelos, depois saiu para ajudar sua mãe. Alcir ficou sentado no sofá, sentindo-se rejeitado; o pior dos sentimentos, que o magoava muito. Agora ele era seu senhor, teriam que se casar logo ou ele não teria mais sossego. Não suportava a ideia de deixa-la na casa dos pais e voltar para sua casa. O rapaz vivia dentro de um turbilhão de pensamentos contraditórios; hora sentia-se feliz, em seguida um derrotado.

     Iria se mudar para a casa que arrumara para ser um ninho de amor; ficaria lá até poder morar com Sila para sempre. Naquela noite ele dormiu sozinho na casa nova; estava deprimido. Demorou a pegar no sono, a cama estava vazia; ele a queria ali novamente. Planos, aquele coração quase não cabia em seu peito, ele ficava deitado fazendo planos com sua amada. Ela o enfeitiçara, não conseguia imaginar a vida longe dela. Alcir chorou baixinho, nada poderia fazer, senão esperar.

     Uma semana e a moça não voltou àquela casa; ela dizia que seus pais não poderiam saber do ocorrido, por isso teriam que tomar cuidado. Alcir contava com a passagem de ano para ser feliz novamente. Sila também queria passar a noite com ele, ela o amava e lhe daria mais uma noite de prazer.

     No último dia do ano, o rapaz estava eufórico, chegava a sentir dor no peito quando pensava em sua noiva. Aquela seria outra noite de muito amor. A casa estava limpa e pronta para receber os dois; ficariam um pouco na casa dos pais de Sila. E, depois diriam que os pais dele os estavam esperando e iriam para seu ninho de amor...

    Tudo aconteceu como ele planejara, depois do brinde, Sila o acolheu em seus braços com todo carinho, até o dia amanhecer. Quando o dia clareou ele estava enrolado no corpo dela. Alcir sorriu, estava muito feliz; aquela era a vida que ele queria viver. 

A moça acordou sobressaltada, sua mãe estava desconfiada desde o dia de Natal; eles teriam que se explicar ou ela quebraria o silêncio. Uma nuvem negra pairou dentro do quarto.

Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

"TE AMO, NÃO POR QUEM TU ÉS, MAS POR QUEM SOU QUANDO ESTOU CONTIGO." GABRIEL GARCIA MARQUES---SAUDADE É A AUSÊNCIA QUE INCOMODA. EVA IBRAHIM

ALÉM DAS ESTRELAS
CAPÍTULO TRÊS
       Sila tinha outras prioridades, antes de pensar em casamento, entretanto, Alcir tinha pressa; parecia que pressentia algo de ruim se não agarrasse a moça de uma vez. Discutiram, algumas vezes, por esse motivo. Ela queria terminar os estudos, arrumar um emprego melhor e depois montar sua casa do jeito que sempre sonhou.

       –Não, de jeito nenhum, ele não conseguiria esperar tanto tempo, ela faria tudo isso estando junto dele, dizia o rapaz com convicção.

       Conversa vai, conversa vem e muita pressão de Alcir que ela acabou cedendo.
        – Iria ficar noiva, porém, o casamento teria que esperar.

       Alcir ficou radiante, depois de noivos tudo seria mais fácil; Sila cederia aos poucos, até se tornar sua mulher. Esse pensamento povoava sua cabeça, não conseguia focar em outra coisa. Ser feliz, para ele, era uma necessidade urgente.

       Sua avó construíra uma casa, com dinheiro de uma herança, para alugar e completar sua aposentadoria. Era uma construção simples, mas bem feita e ficava perto da casa de seus pais, então, Alcir foi pedir à sua avó se poderia alugar para ele e ela concordou. A noiva não gostou da pressa do rapaz, ele estava atropelando os seus planos e ela não iria se submeter aos seus caprichos, seria melhor dar um tempo.

        A discussão foi fervorosa e Alcir saiu da casa de Sila muito bravo, ela não o amava, por isso não queria se casar. Passou em um bar, encontrou uns amigos e beberam até o bar fechar. No dia seguinte ele não foi trabalhar, estava com enxaqueca e de mal com o mundo; não queria ver ninguém.

       Sila não o procurou, queria um tempo para pensar; casamento era coisa séria e ela só tinha vinte anos de idade. Amava seu noivo, porém, ele teria que entender que ela queria o melhor para ambos e casar as pressas não estava em seus planos.

Alguns dias se passaram e Alcir não resistiu, foi à procura de Sila; não poderia viver longe dela. Conversaram muito e ele concordou em esperar o ano acabar para falar em casamento novamente, estavam no mês de maio.

       Ele não disse nada à noiva, mas tinha um plano para ela se entregar a ele, mesmo sem se casar. Os dois, sempre conversavam sobre a futura casa e como seriam os móveis. Um dia eles estavam passeando e ela parou em frente a uma loja de móveis mostrando a ele as coisas que ela queria comprar. Foi o suficiente para ele se antecipar e colocar os móveis na casa que ele mantinha sem ela saber. De maio a dezembro ele economizou tudo que pode e o restante financiou. Na véspera de Natal a casa estava toda mobiliada, como ela queria e ele suspirou aliviado.

      Alcir estava feliz e convidou sua noiva para ver a casa que ele pretendia comprar e como uma teia ele foi envolvendo a moça. Ela ficou surpresa com o empenho dele, além de gostar da casa percebeu o grande amor que Alcir lhe dedicava. Na casa tinha vinho e salgados, que ele levara mais cedo para que a surpresa fosse completa.

      Os dois ficaram vendo televisão e bebericando até tarde, a conversa fluía fácil; estava tudo perfeito. Já era tarde para sair e eles foram ficando ali, inebriados pela bebida; depois foram levados pela paixão até o quarto, onde ela se esqueceu de seus propósitos e se rendeu ao amor.

      O dia amanheceu com Alcir fungando em meio aos cabelos louros de sua amada, estava realizado; Sila se tornara sua para sempre. Quando a moça acordou, deu um salto.

      - Como iria se explicar? Seus pais ficariam furiosos. Alcir ponderou que:

      - Seria melhor não dizer nada para não magoá-los; diga que dormiu na casa de uma amiga; a festa acabou tarde e todos estavam bêbados.

      Ela concordou, afinal, era dia de Natal e os familiares de Alcir  iriam comemorar com um almoço na casa dos pais de Sila. Aconteceria à reunião das duas famílias, uma aproximação necessária para a felicidade dos filhos. O amor desfrutado seria um segredo entre os dois, um presente de Natal, que os conduziu além das estrelas.

       Foi ai que o rapaz teve que engolir seco e limpar as lágrimas que caiam de seus olhos. Dirceu o abraçou, entendeu a emoção do companheiro, tinha sentimentos parecidos. Entretanto, tanto um como o outro usavam uma armadura para mostrar à sociedade.
Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

"AH! O AMOR... QUE NASCE NÃO SEI ONDE, VEM NÃO SEI COMO E DÓI NÃO SEI PORQUÊ. LUÍS DE CAMÕES---SONHE, POIS, LÁ O MUNDO É TODO SEU! EVA IBRAHIM

Ah! O AMOR É LINDO...
Capítulo dois.
       Alcir conheceu Tarsila em um show de músicas sertanejas. O clima era de alegria e o público jovem cantava a plenos pulmões, dançava e agitava os braços demonstrando total entrega. No palco acontecia o tributo à dor de cotovelo, cantada em versos românticos pelas duplas de cantores conhecidos. Ela passou por ele rebolando e balançando seus cabelos dourados, estava acompanhada de uma amiga. Ele ficou olhando até ela desaparecer em meio à multidão, parecia enfeitiçado. 

      A moça chamou sua atenção de um jeito que ele ficou extático, então, apareceu seu amigo Dinho e lhe deu um susto. Espantado ele recobrou a lucidez e disse que uma “deusa” havia passado por ali. Dinho retrucou dizendo que ele conhecia a moça e se Alcir quisesse poderia ser apresentado a ela. E, foi assim que ele conheceu Tarsila; uma linda jovem com um nome estranho.

     Ela lhe explicou que seu pai estava folheando uma revista, em um consultório dentário, enquanto aguardava ser atendido e viu a foto de um quadro que lhe chamou a atenção. Era um quadro de Tarsila do Amaral, uma pintora famosa. Seu pai guardou aquele nome e quando a filha nasceu ele não perguntou a sua esposa o nome que ela daria ao bebê, pois, ele já tinha o nome: Tarsila.

       A mãe não gostou e passou a chama-la de Sila, portanto, ele também poderia chama-la de Sila. Ele sorriu, o nome era apropriado, bonito como a dona; queria conhece-la, estava encantado. A partir desse dia Alcir só tinha olhos para Sila, que correspondia ao seu amor. A moça era a filha de número cinco do casal e os outros quatro filhos eram homens. Além de ser paparicada pelos quatro irmãos, era a caçula e os pais a mimavam. Então, ele percebeu que ali, naquela família, ele teria que ser correto. Se quisesse a Sila, teria que se casar ou seria massacrado pelos irmãos dela.

     A moça trabalhava em uma loja de departamentos e estudava à noite; queria ser Assistente Social para ajudar muita gente. Alcir ficava furioso em pensar que ela poderia falar com outros rapazes. A primeira briga surgiu por conta de seus ciúmes exagerados. Ele viu sua namorada trocando algumas palavras com um colega da escola em frente ao seu trabalho. Alcir quase bateu em Sila de tão furioso que ficou; não aceitou suas explicações e saiu cantando pneus. 

      Foram dias difíceis para ele, mal conseguia trabalhar; teria que resolver a situação, amava aquela mulher. Ela reunia todos os desejos de seus sonhos mais íntimos; era perfeita para ele. Depois de alguns dias ele não resistiu e foi pedir perdão à sua amada. Foi perdoado com um longo beijo; ela também o amava.

      Alcir trabalhava em uma revendedora de motos, que era a segunda mais importante paixão de sua vida, depois de Sila. Ele possuía uma moto vermelha, que chamava a atenção de todos e a Sila adorava passear agarradinha em sua cintura. O rapaz ficava feliz em exibir seus dois troféus, a moto e seu amor.  Ele estava empenhado em construir uma família com aquela jovem, seria o único jeito de tê-la em seus braços e chama-la de sua.

      Os dois se amavam, entretanto, quando ele ia avançar o sinal ela o brecava; prometera aos pais que se casaria virgem. Ela sonhava em se casar vestida de noiva com véu e grinalda, como mandava o figurino. Queria ter uma noite de núpcias com tudo que a tradição envolvia. Alcir ficava maluco, não conseguiria esperar muito tempo, queria fazer dela a sua mulher. Porém, eram muito jovens e seus pais não concordariam com o casamento apressado.

      À noite, Alcir sonhava com ela lhe fazendo carinhos, acordava suando. Iria à casa de Sila pedir permissão aos seus pais para ficarem noivos. O aniversário dela estava próximo e seria um belo dia para firmar um compromisso. Pensava nela o tempo todo, para ele o mundo se reduzira à sua Sila e nada mais importava; estava muito feliz. Precisava apressar os preparativos para o casamento e viver plenamente todos os seus sonhos com a mulher de sua vida.
Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

"A SAUDADE SE PARECE MUITO COM A FOME. A FOME TAMBÉM É UM VAZIO. O CORPO SABE QUE ALGUMA COISA ESTÁ FALTANDO. A FOME É A SAUDADE DO CORPO. A SAUDADE É A FOME DA ALMA." RUBEM ALVES-- OS FANTASMAS ESTÃO POR TODA PARTE. EVA IBRAHIM

                  A ARMADURA
                   ATRÁS DAS GRADES                                                                            CAPÍTULO UM
       O Diretor da Penitenciária mandou chamar o detento, que estava sentado no pátio tomando Sol. Precisava lhe dar uma notícia boa, mas ele temia que o detento não pensasse da mesma maneira. Era um preso jovem, quando chegou tinha somente vinte e cinco anos; introspectivo, mal humorado e briguento. Depois de sete anos de rebeldia, ele teve uma melhora de comportamento no último ano, por isso seu advogado pediu que lhe fosse concedida a liberdade condicional.
       Alcir teria sua liberdade provisória depois de oito anos de prisão, dos quais muitos dias e noites passados na solitária. Quando chegou ali parecia alucinado, agressivo, exaltado e dando pouca importância ao futuro. Alguns dias depois, tentou se suicidar fazendo cordas de lençol para se enforcar, mas foi impedido pelo colega de cela.
       - Chegara do inferno e nada mais importava em sua vida, que valia menos que um toco de cigarro, confidenciou ao colega de cela. Depois se fechou, não comia, não falava e não queria conversa com ninguém, nem mesmo com seus pais.
        A mãe insistia em vê-lo, porém, ele não queria ver ninguém, estava morto por dentro; desistira de viver. A mulher não se dava por vencida e sempre levava cigarros para seu filho. Ficava sentada no pátio até acabar o horário de visitas à espera de seu menino; depois entregava o pacote ao carcereiro. Alcir não saia da cela, entretanto, aceitava os cigarros deixados por sua mãe.
       O rapaz emagrecera vinte quilos no primeiro ano que passou na penitenciara. Ficou um mês na enfermaria da instituição, tomando medicamentos para se recuperar da fraqueza que fora acometido. Sua família fora chamada, temiam pela sua vida; então, ele passou a aceitar a presença de sua mãe nos dias de visitas. A mãe amava o filho incondicionalmente, nunca questionava sua conduta e assim foi ganhando sua confiança.
       Quando melhorou e pode voltar à sua cela, ele pediu a ela um rádio para ouvir músicas. O aparelho se tornou seu melhor companheiro; Alcir passava horas ouvindo músicas sertanejas, seu colega de cela também gostava do rádio e durante o dia, os dois ouviam rádio juntos. À noite, Alcir passava a maior parte do tempo com o radio na mão e o fone no ouvido.
       Quando saia para tomar Sol, ele acabava se envolvendo em brigas e por causa disso passou dias na enfermaria curando suas lesões, que se tornaram cicatrizes no corpo e na alma. Outras vezes ia parar na solitária, pois, não queria trabalhar e vivia desacatando os funcionários do local; era tido como um caso perdido.
       Ele passava as horas deitado no colchão, que ficava no fundo de sua cela; um corpo imóvel jogado na vida. Na cadeia não há o que fazer e o tempo demora a passar, por isso, depois de dois longos anos, ele concordou em trabalhar para ganhar algum dinheiro e dar para sua mãe comprar livros, revistas, cigarros, chocolates entre outras coisas. Precisava de uma ocupação ou enlouqueceria, disse à psicóloga, que acompanhava seu caso.
       Com o trabalho de ajudante na lavanderia ele conheceu outras pessoas e arrumou um amigo e confidente. Os dois tinham histórias parecidas, mataram suas esposas. Dirceu tinha cinquenta anos e estava preso há seis anos, não recebia visitas. Os filhos o desprezavam, nunca o perdoaram pela morte da mãe.
      Alcir estava sendo forjado a ferro e fogo no pior lugar do mundo, a cadeia, onde ele usava uma armadura para encobrir a culpa e a saudade que trazia no peito. Durante as noites de insônia ele chorava baixinho, com o rosto enfiado no travesseiro para ninguém ouvir. Durante o dia era um presidiário carrancudo e violento com seus desafetos; assim ele se escondia do mundo atrás de uma armadura agressiva e perigosa.
       Procurava esquecer que havia vida lá fora e quando recebeu o aviso de sua liberdade condicional, chorou como criança para surpresa do diretor do presídio. Dirceu tentou consolá-lo e se dispôs a ouvir sua história.
Um texto de Eva Ibrahim.

Continua na próxima semana.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

"A BELEZA DAS PESSOAS ESTÁ NA CAPACIDADE DE AMAR E ENCONTRAR NO PRÓXIMO A CONTINUIDADE DE SEU SER. E, TAMBÉM EM RECONHECER QUE NESSA VIDA, VOCÊ ESTARÁ SEMPRE PRECISANDO DE ALGUÉM E SEMPRE TERÁ ALGUÉM PRECISANDO DE VOCÊ. AUTOR DESCONHECIDO---SE ANOITECER PROCURE A LUZ DAS ESTRELAS. EVA IBRAHIM.

COM MUITO AMOR
CAPÍTULO TREZE

        A correria começou na madrugada quando a bolsa de águas estourou e Celina acordou a sogra. Em seguida as contrações começaram e a moça passou a gemer de dor; chegara a hora de Bruna nascer. Gilda parecia abobalhada, não sabia o que fazer tamanha era sua ansiedade. Sandro pediu que ela chamasse uma ambulância para conduzi-los à maternidade. Trêmula, a mulher discou o número que estava na lista, depois foi pegar as malas para acompanhar o casal à maternidade.

       O Sol estava nascendo quando adentraram ao Hospital e logo apareceu uma enfermeira, que conduziu Celina porta adentro, deixando Gilda e Sandro apreensivos. O rapaz parecia perdido naquele local estranho. Sua mãe o conduziu até uma poltrona e ambos ficaram aguardando notícias do nascimento do bebê.

       Gilda olhava seu filho que estava para ser pai e lembrou-se de Danilo. A alegria de ter a neta em seus braços, ele jamais sentiria; então, a nostalgia do passado voltou, era uma mulher solitária em se tratando de amor. Uma lágrima silenciosa rolou pelo seu rosto e, ela tratou de enxugar com o dorso de sua mão para que Sandro não percebesse.

      Depois de uma hora de angustia e muita oração apareceu o médico dizendo que a criança nascera bem e eles poderiam entrar. Sandro não se cansava de tocar o pequeno rostinho de sua filha; era muito bonita, dizia comovido. Gilda segurava o bebê no colo para Celina poder tocá-la e seu pensamento corria solto, estava sentindo muita alegria, como há muito tempo não sentia. Aquela pequena criança tomaria conta dos pais e ela poderia morrer tranquila. Em seus piores pesadelos ela deixava o casal sozinho no mundo e depois acordava suando frio.

      Os meses passavam rápidos e Bruna crescia forte e feliz. Desde pequena aprendera a conduzir o pai e a mãe segurando em suas mãos. A avó a ensinava a cuidar dos dois; Bruna sorria feliz e ganhava muitos beijos de seus pais.

       A menina entrou na escola e Gilda ou Sofia a acompanhavam até à entrada da sala de aulas. As duas mulheres tinham muito cuidado para ensiná-la a conhecer os lugares e os perigos que a rua apresentava para seus transeuntes. Logo ela poderia acompanhar os pais aos lugares conhecidos e posteriormente guia-los por toda parte.

      O casal já adquirira o controle para se locomover dentro de casa, isto é, tomaram o poder de suas próprias vidas e somente na rua precisavam de acompanhante. Mais do que qualquer um, as pessoas com deficiência visual podem e querem tomar suas próprias decisões, assumindo a responsabilidade por seus atos; foi assim que Gilda criara seu filho.

Sofia estava sempre presente na casa de sua prima; dizia ser impossível viver longe deles. O sonho de Gilda era fazer com que a neta servisse de guia para seus pais, assim ela poderia descansar; estava ficando velha. Com dez anos de idade, Bruna já acompanhava a mãe ao comércio, ajudava nas compras e no pagamento. A menina era inteligente e esperta; aprendia rápido tudo que lhe era ensinado.

       Ela pegava no braço da mãe e a guiava por calçadas esburacadas, degraus, buracos, pisos escorregadios e obstáculos. Conversava muito e ia descrevendo tudo que via nas ruas. Celina dizia confiar muito na filha, ela tornara-se a luz de seus olhos.

       Bruna completou dezoito anos e passara no vestibular; queria ser enfermeira. A moça gostava de prestar cuidados aos pais e a avó, era amorosa e interessada em tudo que dizia respeito a sua família.
Gilda tinha orgulho da neta e queria prepara-la para a vida. Então, lhe ensinou todos os procedimentos bancários e pagamentos que deveria fazer, para que seus pais pudessem ter uma vida tranquila. Durante meses ela acompanhou os passos da neta e só descansou quando sentiu que poderia confiar plenamente nela.

Gilda adoeceu, estava com pressão alta e diabetes, quase não saia de casa, somente para ir ao médico. Passava horas deitada na cadeira de balanço e quando via a neta dar o braço ao pai e a mãe para sair a passeio, sentia-se realizada. Bruna ficava no meio e os três seguiam felizes.

A mulher fechava os olhos e se reportava para a mulher negra, que esteve presente em seus piores momentos; então sorria, sabia que havia um anjo protegendo a todos. Sua missão fora cumprida e uma alegria muito grande tomava conta de seu coração; poderia morrer em paz...  
Um texto de Eva Ibrahim
Termina aqui a história da mãe, que involuntariamente cegara seu único filho.

Na próxima semana iniciaremos outra história.
MEU MUNDO REINVENTADO.

UM BLOG PARA POSTAR CONTOS CURTOS E EM CAPÍTULOS.