MOSTRAR VISUALIZAÇÕES DE PÁGINAS

sexta-feira, 28 de junho de 2013

"TUDO QUE UM SONHO PRECISA PARA SER REALIZADO É ALGUÉM QUE ACREDITE NELE". AUTOR DESCONHECIDO. -- "INSISTA NAS COISAS QUE TE FAZEM SORRIR". EVA IBRAHIM

                                LÁBIOS DE CARMIM                                     

     A professora terminara de escrever a lição de português no quadro negro e sentara-se com as mãos nos quadris, a dor naquele local era intensa. Há dias vinha sentindo dor na região lombar, mas tinha medo de contar para alguém ou até mesmo pensar no assunto. Estava em uma fase de negação, lembrar-se de seu passado recente provocava náuseas e a tristeza tomava conta de seus pensamentos.
   --Será que a doença, que a maltratara tanto, estava de volta?
   Olivia não queria nem pensar em passar por todas aquelas provações novamente, preferia morrer. Quando a sineta tocou anunciando o final do horário de aulas, ela pegou sua bolsa e saiu rapidamente, queria chegar à sua casa e se esconder do terrível câncer que a perseguia há cinco anos. Deitou-se na cama e de olhos abertos fitava o teto e remoía tudo que havia acontecido no passado.
   Era uma moça bonita e casara-se com Jonas, estava muito apaixonada, cheia de sonhos e projetos. Conseguira o trabalho que gostava, era professora primária. Quando compraram a casa com financiamento na Caixa Econômica Federal, o casal ficou muito feliz, era mais um sonho realizado. Olivia sentia-se a mulher mais sortuda do mundo, dizia à sua mãe e irmãs. Em meio a muito carinho nasceu Tales, o primeiro filho e dois anos após, Luana; uma família feliz. Quando a menina estava com três anos de idade, Olivia concluiu que era hora de viajar com as crianças; filhos lindos e muito amados.
  Cinco anos de casamento e muito amor entre eles, parecia que nada poderia interferir na felicidade conquistada.
Em um final de semana prolongado a família foi passear na praia; Tales e Luana foram conhecer o mar. Muita diversão e longas caminhadas na orla marítima para recolher conchas; as crianças estavam muito felizes. No domingo de manhã, Olivia acordou indisposta, estava com dor em baixo ventre. Pensou em uma possível gravidez, pois, sua menstruação estava atrasada; marcaria uma consulta com o ginecologista no dia seguinte.
  Jonas queria acompanha-la ao médico, mas não poderia faltar do trabalho naquele dia e a sua esposa foi sozinha. Após alguns testes o médico disse que não era gravidez, teriam que fazer alguns exames e uma ecografia para saber o motivo da dor. A mulher voltou para casa apreensiva, disse que não havia gostado da expressão que o médico fez ao lhe dizer que poderia ser uma porção de coisas. Porém, era prematuro dizer sem ter certeza; deveriam aguardar os exames.
  O marido tentou acalmá-la, iriam juntos ao médico. Depois de uma semana saiu o diagnóstico e o casal perdeu a tranquilidade. Olivia estava com câncer de ovário e teria que submeter-se a uma cirurgia para a retirada dos órgãos reprodutores. Uma cirurgia agressiva, seguida de quimioterapia. “Fariam todo o possível para bloquear a doença”. O médico disse ao casal assustado.
Os cabelos de Olivia caíram, ela ficou debilitada e durante um ano inteiro esteve afastada da Escola para tratamento. Aos poucos retomou à sua vida normal, mas sempre voltando ao ambulatório para exames de rotina. “Estava tudo bem”, disse o médico, poderia levar a vida normalmente. Após três anos ela respirou aliviada, vencera a doença.
“Doce ilusão”, ela pensava enquanto as lágrimas corriam pelo seu rosto deixando o líquido salgado molhar seus lábios. Tales estava com dez e Luana com oito anos de idade, agora que o casal poderia sair com as crianças, à doença estava de volta. Ela sabia que não poderia ser coisa boa aquela dor que a atormentava já fazia alguns dias. Tratou de se levantar, teria que fazer o jantar, as crianças chegariam da Escola e o marido logo em seguida. Precisava ser forte, não queria assustar sua família. Iria procurar o médico e somente depois diria ao marido a que conclusão o médico chegara.
   A mulher se submeteu a novos exames e o médico lhe pediu que levasse o marido com ela para saber o resultado, porque ela estava muito nervosa e precisava de apoio. Com muita ansiedade o casal foi saber do resultado dos exames e a noticia não poderia ser pior, o câncer estava de volta; metástase no peritônio. A luta seria grande e teriam que iniciar imediatamente novas sessões de quimioterapia. Jonas e Olivia passaram na Igreja em que se casaram e lá ficaram ajoelhados pedindo proteção a Deus, porque dias terríveis seriam vividos, eles sabiam que outra luta se iniciava naquele dia.
Foram muitas internações por fraqueza, vômitos recorrentes e quando Olivia achava que estava melhorando, sua barriga começou a crescer, era líquido ascítico. O médico disse ao marido que estavam perdendo a luta contra o câncer, pois, a doença avançava sem piedade; não havia mais esperança. O tratamento seria apenas paliativo, mas teria assistência até o final.
No início do tratamento Olívia era levada ao Hospital uma vez ao mês, depois a cada duas ou três semanas para retirar o líquido que se acumulava em seu ventre. O líquido era retirado, cerca de quatro ou cinco litros de cada vez e voltava para sua casa, sempre acompanhada por uma de suas irmãs.
Durante alguns meses essa foi à rotina da professora, já sem cabelos e muito debilitada parecia à sombra daquela mulher bonita. Com o pescoço, pernas e braços finos o abdômen destoava, era distendido e endurecido. Jonas queria saber o que fazer para melhorar a situação de sua esposa, ela estava sofrendo muito. A resposta doeu, Olivia estava na reta final, já não tinha mais água em seu ventre, o tumor havia crescido e tomava conta do abdômen inteiro.
   Em um dia chuvoso ela foi levada ao Hospital, não comia e só vomitava; chegou  quase desfalecida. Estava muito mal, tinha os pés inchados e uma palidez intensa; era difícil reconhecer a professora. Seu corpo estava emagrecido, não tinha nenhum fio de cabelo e trazia o olhar perdido em algum ponto distante. A voz fraca, difícil de ouvir; parecia que nada mais importava. Olivia permanecia inerte e sua respiração era lenta e arfante. Foi reanimada com soro e depois de algum tempo demonstrou uma pequena melhora, fixou seus olhinhos tristes em sua irmã e disse bem baixinho:
 -“Eu quero um sorvete vermelho”.
 Sua irmã quis saber se poderia sair para comprar o sorvete e todos aquiesceram, era o mínimo que poderiam lhe proporcionar. Olivia foi colocada sentada na maca com apoios laterais e com um débil sorriso começou a lamber o sorvete de groselha, que sua irmã segurava. A fraqueza que dominava o corpo da professora deixava seus movimentos lentos e a metade do sorvete derreteu dentro do copo que servia de apoio. Quando terminou o sorvete havia um sorriso nos lábios vermelhos de Olivia, parecia satisfeita. Lábio de carmim foi à imagem que ficou gravada na memória de todos que presenciaram o fato. Como por ironia o sorvete pusera um pouco de vida nos lábios daquela mulher tão fragilizada.
       Depois do sorvete Olivia teve alta, nada mais poderia ser feito, agora era com a família, disse o médico consternado. A paciente foi levada com medicações para dor e vômito deixando a imagem daquele sorvete vermelho. Todos se entreolharam, sabiam que aquela fora a última vontade de mais uma vítima de um câncer muito agressivo.
No Hospital não tiveram mais notícias de Olivia, que certamente já se encontra além da vida com seus lábios de carmim. 
Um texto de Eva Ibrahim

sábado, 22 de junho de 2013

"QUANDO VOCÊ SE FOR, A ÚNICA COISA QUE VAI DEIXAR É A LEMBRANÇA DO QUE FEZ AQUI". CHICO XAVIER--- AS VEZES É MELHOR NÃO SABER DE NADA... EVA IBRAHIM.

                                            AMANHÃ TALVEZ.

Tomei a decisão de ditar este texto para uma amiga quando percebi que andava esquecendo-me de coisas básicas, isto é, esqueci como dava marcha ré no meu antigo carro. Fiquei um longo tempo esperando o carro, que estava estacionado em frente ao meu, sair, para eu poder passar. Eu não conseguia dar ré no carro que dirijo há muito tempo. Meu marido riu porque o câmbio estava perfeito; depois comentou com os amigos e familiares. Todos riram muito, mas, acabaram percebendo que o caso era sério, minha mãe tivera o Mal de Alzheimer. Existia a possibilidade de eu ficar esquecida, igual a ela. Eu fizera apenas setenta anos, era forte e vaidosa; mal podia acreditar que estava perdendo a memoria.

Um dia, não muito distante, junto com meus guardados, gostaria que meus filhos encontrassem essa história e soubessem que retrata os meus últimos dias de lucidez. Reitero aqui a minha vontade de viver, incondicional, estar vivo é uma benção. Parto deste mundo real para o desconhecido somente pressionada por dona Morte. Agradeço á Deus á permissão por viver entre meus filhos e netos queridos. Uma Terra abençoada que nos deu tudo o que precisávamos e até os supérfluos; onde rimos e choramos de emoção.

Se por alguma razão eu ficar senil, a demência tomar conta de mim e eu me esquecer de quem sou, por favor, não me abandonem, eventualmente posso voltar a lembrar de mim. Gosto de ser chamada por meu nome de batismo ou por vovó, porque sinto que estou viva e fico mais feliz. Meu corpo está bastante velho, mas, o meu espírito é jovem. Como simples mortal estou adoentada e aos poucos sinto que estou perdendo o poder de raciocínio, mas, trago no peito a altivez de quem um dia foi uma mulher inteligente. Ainda percebo onde estou, porém, já há algum tempo, minha memória tem piorado a olhos vistos. Com a lucidez bastante comprometida só posso falar quando reconheço as pessoas e hoje estou bem, vamos em frente.

-Quero aqueles meus sapatos velhos de camurça, os pretos, que são confortáveis e elegantes, para os passeios ao ar livre e meu vestido de seda, rosa mosqueta, para ir ao médico. Se for para ficar em casa, gosto das minhas chinelas e aquelas roupas grandes e cheirosas; idosa precisa cheirar bem e estar sempre preparada para os abraços dos jovens. Gosto de muitas rendas e bordados em minhas roupas de cores pastéis. Nem pensar em roupas escuras ou de florezinhas pretas, só meu corpo está velho, pensem nisso. Por favor, não me ponham roupas de outras pessoas, me entristece e me deixa infeliz.

Já acordo ansiosa porque meu corpo amanhece rígido, tenho artrite, não consigo levantar-me sozinha. Sinto muita dor no joelho, tenho que dormir com um travesseiro entre as pernas; alivia um pouco. Tento não pensar que meu corpo necessita excretar os produtos tóxicos que circulam em meu sangue. Fico envergonhada, pois queria poder fazer minha higiene sem ajuda. As fraldas me incomodam; apertam minhas pernas, quase garroteando, para prender os poucos cheirosos nº 1 e nº 2, que todos fazem, mas, ninguém gosta de admitir. Quero lavar a boca e escovar os dentes com minhas próprias mãos; nem sempre posso fazer isso, meus dedos amanhecem rígidos. Passo dias sem voltar á razão, existem lacunas em minha mente.

O ser humano se acostuma com qualquer coisa e estou me acostumando a ser cuidada também. Meu corpo, que agora vive exposto, hora para um exame ora para higiene, já não me pertence porque não consigo cuidar dele. Procuro pensar em Deus e na minha alma para fortalecer o espírito, senão como irei resistir até o final? É difícil morrer quando se ama a vida. A energia persiste e para morrer temos que sofrer falência múltipla dos órgãos, que só acontece quando desistimos de lutar e eu não penso em desistir; ainda não. Quando estou “presente”, isto é, boa da cabeça, preciso contar as pessoas mais próximas casos antigos de acontecimentos importantes.

Gostaria de comer algumas coisas que nunca me dão; como por exemplo, um suculento torresminho de porco com arroz branco e couve com bacon. Com certeza alguma nutricionista que nunca ficou velha decidiu que alimentos para idosos ou doentes é, necessariamente, sopas sem sal.
 -Que horror! Por isso todos os doentes são pálidos e sem cor.
Temos que nos unir e protestar, queremos comida normal e lanches também; precisamos de “sustância”, como dizia minha avó.

 O tempo para mim já não importa, não sei as horas e nem sempre o dia da semana ou o mês, mas tenho vontade de sair para passear sob o Sol e caminhar junto á natureza. Quem sabe sentar no banco da praça em baixo do pé de Jatobá. Se cair um fruto em minha cabeça, juro que ficarei feliz mesmo assim.
Será que os pássaros ainda estão cantando sobre as árvores ou sumiram para as florestas? Se eu sair dessa situação, vou questionar para saber deles.

Receber visitas e carinho me faz lembrar que tenho família. Porém, muitas vezes não me recordo quantos filhos ou netos eu tenho; deve ser obra do Senhor Alzheimer que agora fica sempre ao meu lado. Fico feliz quando vejo meus familiares, eu os tenho em grande estima, é minha ligação com o mundo lá fora. Durmo muito, mas, não é de propósito, está fora de controle. Nem me reconheço; esquecer faz parte da minha rotina,
-Será que estou sendo dopada?
-Não sei dizer, mas pode ser para meu bem; não quero pensar nisso. Sinto que estou confinada em minha casa, não posso sair sozinha; temem que eu desapareça.

Sinto muitas dores e procuro sublimá-las, para não aborrecer meus familiares, porém, muitas vezes ficam insuportáveis e ai eu boto a boca no mundo. Faço coisas que não gosto, só para não contrariar as pessoas que cuidam de mim, como por exemplo: tomar chá.
Percebo que meus olhos estão secos e já não expressam mais emoção e os braços pesam toneladas, devo parecer um monstro; não quero me ver.
Agora, meu maior inimigo é o espelho, pois me lembro de quando tinha dezoito anos e sem modéstia, era linda. Se eu tratar alguns de vocês de maneira grosseira, por favor, me perdoem. Já existe um abismo entre eu e a vida, a lacuna da consciência; a morte me espreita...

Fecho os olhos e penso que estou arrastando minhas chinelas pela casa, apoiada em alguém, isso é certo, então percebo o óbvio; sou dependente até para andar. As peças mais importantes de minha casa agora são os batentes das portas, os corrimões e os espaldares das cadeiras ou qualquer coisa em que eu possa segurar. Meu maior sonho se resume em sentar em um vaso sanitário. Quero fazer minhas necessidades fisiológicas sozinha, no banheiro do meu quarto, naquele momento único de cada um. Estou revoltada, mas aceito que um dia devemos morrer e assim o meu dia também vai chegar.
Nos momentos de lucidez, sonho com dias melhores, mas, somente Deus sabe quando devo me apresentar á ele. O instinto de preservação é muito forte e nunca estamos prontos para partir. Morremos por falta de opção.
Que pena!
Posso não estar gostando das pessoas que estão cuidando de mim, porém, finjo que estou bem. Não me falta nada, mas tem algumas coisas que eu quero solicitar aos meus cuidadores como, por exemplo: paciência. Não me maltratem, pois só o corpo está acabado, a alma está presente e cheia de emoção.

Um grande beijo, vovó Tânia.
Não chorem, pois, morrer é a certeza da vida.
Essa história foi ouvida, durante oito meses, nos momentos de lucidez da protagonista, contou a amiga ouvinte.

Um texto de Eva Ibrahim.

sábado, 15 de junho de 2013

"HÁ MUROS QUE SÓ A PACIÊNCIA DERRUBA...E PONTES QUE SÓ O CARINHO CONSTRÓI" CORA CORALINA---NÃO SE EXPONHA, A VIDA É PRECIOSA! EVA IBRAHIM

                                                   A “ZOIUDA”.
O Sol se punha no horizonte, a escuridão aos poucos se instalava no local e mais uma vez uma coruja grande pousava no galho da mangueira ao lado do quarto do casal. Era o terceiro dia seguido que a ave pousava ali e Artur, o marido, pegou a máquina digital e bateu duas fotos da criatura; assustada ela voou. Ele mostrava as fotos e dizia que a ave era zoiuda, feia e velha. Luiza disse temer a presença da coruja, pois sempre ouviu dizer que eram aves de péssimo agouro para os moradores da casa. Artur deu de ombros e sorrindo entrou para mostrar as fotos para as crianças.
O casal morava na chácara dos pais de Artur, ao lado da casa grande. Era uma vida tranquila, os dois trabalhavam e a sogra sempre dava uma mão com as crianças, dois meninos. O maior tinha 12 e o menor 02 anos, eram crianças fortes e saudáveis. Eles gostavam de brincar no grande espaço que havia no quintal. Uma chácara cheia de aves, cães, gatos e muitas frutas. Artur era um marido atencioso e bom pai, mas, um tanto nervoso e birrento, dizia Luiza censurando o modo de ser do marido.
Por diversas vezes voltaram de passeios, que deveriam fazê-los felizes, de cara amarrada um com o outro. Artur discutia e dizia palavrões no trânsito por qualquer motivo e sua esposa sentia medo. Ele incorporava o machão, aquele que não levava desaforos para casa, pondo em risco a integridade física dele e de sua família. Depois de alguns confrontos, Luiza se recusava a entrar no automóvel com seu marido, principalmente, levando os filhos; as brigas eram constantes.
Era primavera e o horário de verão deixava as tardes mais longas, demorava a escurecer e as crianças dormiam mais tarde. Luiza ao fechar a janela de seu quarto viu a “Zoiuda” sentada no galho da mangueira, sentiu um calafrio e saiu do local com um pressentimento ruim. Ela trabalhava em uma farmácia e levava o filho menor para a creche, o maior ia para a escola e Artur saia de moto para o trabalho em uma concessionaria de automóveis na cidade vizinha. O homem seguia por uma estrada movimentada, com trânsito pesado e palco de muitos acidentes, para chegar ao trabalho.
Passado alguns dias, a mulher com a criança entrou no ônibus e o filho maior saiu, andando a pé, a caminho da escola. Artur estava atrasado e saiu apressado, teria que acessar a rodovia estadual. Era o horário de pico, todos saiam ao mesmo tempo para o trabalho. Parecia que os motoristas estavam com muita pressa e nenhuma paciência; ouvia buzinas o tempo todo, lembrou-se Artur mais tarde.
O homem seguia concentrado na pista, quando de repente uma perua Kombi encostou-se à motocicleta fechando a sua frente e jogando-o para o acostamento; Artur só não caiu porque não estava correndo. O homem enfurecido foi atrás da Perua ofendendo e fazendo gestos obscenos ao motorista. Depois de descarregar sua raiva, Artur percebeu que havia três homens na condução e não tinham cara de bons amigos, era melhor sair dali ou poderia correr risco; ele sentiu medo.
O trânsito era intenso e logo chegaria ao pedágio, era melhor acelerar. Artur pensou que a situação estava resolvida e respirou fundo; precisava se controlar e pensou em sua família. Passou o pedágio, olhou pelo retrovisor e viu a perua Kombi crescendo atrás de si. Não teve tempo de correr e foi abalroado pelo veículo. Quando ele caiu da moto a Perua Kombi passou sobre o abdômen do rapaz. Havia ódio nos olhos do motorista da perua; seu propósito era matar Artur. Foi um ato covarde e intencional, disseram as testemunhas aos policiais.
 A sensação era de morte iminente, pois o rapaz estava deitado na pista de rolamentos com uma dor lancinante na barriga. A perua saiu disparada em direção à capital e um enorme caminhão brecou quase atingindo a cabeça do rapaz. O motorista do caminhão desceu assustado e quando viu o jovem caído na pista se ajoelhou no chão agradecendo á Nossa Senhora Aparecida por ter permitido que o caminhão parasse. A possibilidade de parar de repente era quase nula para o tamanho do veículo. O caminhoneiro ficou ali agradecendo e repetindo que presenciara um milagre.
 Uma moça com vestimenta da concessionária do pedágio sinalizava o local acenando uma bandeira amarela, desviando o trânsito para permitir que o socorro chegasse até ele. Artur sentia dores lancinantes em sua barriga e ela crescia muito; ele tinha a sensação que iria estourar, disse depois para sua esposa. Quando sentiu um gosto amargo na boca e o vômito chegou com um líquido amarelo ele pensou que iria morrer.
Logo a seguir apareceu o socorro da concessionária da rodovia que o transferiu à emergência do Hospital.  Com o abdômen distendido foi levado para uma cirurgia de emergência, pois havia muito sangue na cavidade abdominal.
Artur, depois da cirurgia, foi levado para a Unidade de Terapia Intensiva, correndo sério risco de vida, pois tivera duas paradas cardíacas durante os procedimentos médicos. Luiza chegou ao Hospital e somente ali ficou sabendo o que realmente havia acontecido. Quase se transformou em uma viúva; tremeu de medo, tinha dois filhos para criar. A mulher ficou horas aguardando o marido voltar da anestesia. Sua vida toda passou como um filme em sua cabeça, seu medo se tornara realidade. Desejava do fundo do coração que ele nunca mais se envolvesse em brigas de trânsito.
Luiza foi para casa dar assistência às crianças e retornou ao Hospital pela manhã encontrando o marido choroso e cheio de dores. O médico disse que Artur era um homem de muita sorte, pois por cerca de centímetros não ficaria paraplégico. Estava em um momento difícil, mas ficaria bem; era jovem e tinha saúde.
A mulher sentada ao seu lado comentou a aparição da coruja na árvore ao lado do quarto do casal. Estava explicada a estranha aparição, ela queria avisá-los de que haveria uma desgraça na família. O homem, incrédulo, disse que aquilo tudo era apenas coincidência, a “Zoiuda” nada tinha a ver com o acidente. Esse poder atribuído à coruja era crendice popular ultrapassada.
Quando Artur melhorou disse à Luiza que tivera uma estranha experiência na sala de cirurgia. Por duas vezes ele viu pessoas fazendo massagens em seu tórax, ele estava fora do corpo. Assustado, ele queria sair dali, mas, alguém o empurrava de volta para o corpo inerte na mesa de cirurgia.
O homem contou que não sentia dores, apenas queria sair daquele local, mas alguém o mandava de volta empurrando-o para o corpo cheio de sangue; depois não se lembrava de mais nada. Não era hora de morrer, foi à conclusão que o casal chegou.
 A “Zoiuda” sumiu, mais uma vez ela fez seu papel de ave de mau agouro, pensava a mulher temerosa. Em seguida, erguendo os olhos para o céu, fez uma oração em agradecimento pela vida de seu marido. Um texto de Eva Ibrahim.                                            

sábado, 8 de junho de 2013

"NENHUM OBSTÁCULO SERÁ TÃO GRANDE SE TUA VONTADE DE VENCER FOR MAIOR"- AUTOR DESCONHECIDO-- VOCÊ É EXATAMENTE AQUILO QUE SUA ALMA SENTE. EVA IBRAHIM

                                        FENIX, A CADELA.

Leandro, o policial, estava trabalhando como vigilante em uma grande empresa de manufaturados; era um bico para completar o orçamento. Ele e o seu companheiro se revezavam para cobrir toda a extensão do pátio externo do local. A construção da empresa aconteceu em um antigo sítio da região e ainda havia muita terra para ser ocupada, principalmente perto do rio, que ficava na divisa do terreno. Os dois policiais andavam por toda aquela área, cuidando para que nenhum desocupado adentrasse ao recinto para roubar os muitos barracões ali existentes.
Na noite de sexta feira houve um churrasco em comemoração ao aniversário de Juca, o companheiro de Leandro. Uma festa regada a cerveja, que terminou tarde da noite. Na manhã de sábado os dois estavam de serviço e Leandro não estava bem, comera alguma coisa que lhe embrulhava o estômago; sentia náuseas e parecia que iria vomitar a qualquer momento.
Lá pelas nove horas, o rapaz avisou ao amigo que iria andar até o rio para tomar ar e ver se melhorava do mal estar. Leandro caminhava e respirava fundo, estava mal e pensava seriamente em pedir para outro colega policial assumir seu lugar e ir para sua casa. Precisava de algum medicamento para o estômago com urgência.
Caminhou devagar e quando estava próximo do rio ele ouviu um barulho estranho, instintivamente levou a mão à arma e ficou alerta. Parecia um grunhido, um lamento, um uivo, não sabia bem o que poderia ser. Olhou com olhos de águia para identificar o local do barulho e quando chegou ao barranco, ouviu o lamento novamente. Resolvido a esclarecer a situação desceu o barranco com a mão no coldre e avistou lá no fundo, bem perto do rio, um cachorro semienterrado no chão. Aparecia somente a cabeça e era de lá que vinha o uivo, já enfraquecido pelo cansaço.
Leandro se aproximou e ficou perplexo pela maldade que fizeram ao pobre animal, estava enterrado vivo para morrer de fome e sede. O policial, acostumado com tragédias, não se conformava com o que presenciava, era demais para seus olhos, de onde escorreram duas lágrimas com gosto de sal. Olhou para o céu pedindo a ajuda de Deus para que o iluminasse naquela situação triste e inusitada.
Teria que tirar o animal de lá, mas como faria isso? Não tinha ferramentas. Pensava o homem impressionado com a situação encontrada no local.
Tirou o cinto e o colocou no pescoço do animal, que estava tão fraco que mal teve reação. Com cuidado para não machucar o cachorro o rapaz puxava com uma mão e cavava a terra com a outra desesperadamente; estava empenhado em salvar o pobre cão. Invocando ajuda divina e com muita determinação Leandro conseguiu mover o animal ofegante. Retirou o corpo inerte da terra e o deitou no capim, em seguida pegou uma lata de cerveja vazia, que estava jogada ali perto e encheu de água do rio despejando na boca do animal, que abriu os olhos e sorveu o líquido.
Em seguida, o policial, usando o rádio pediu ajuda ao colega, que veio rapidamente e surpresos viram que se tratava de uma cadela; era peluda e da cor de mel. Fenix, disse Leandro, estava batizada, se sobrevivesse, pois não parava em pé. Certamente, fazia muitas horas que ela estava lá enterrada com fome e sede. Os dois policiais não sabiam o que fazer, mas, enquanto afagavam a cabeça do animal tiveram a ideia de chamar um veterinário conhecido na cidade e pertencente à Associação Protetora dos Animais.
Passaram um rádio para a base do pelotão e logo depois chegava o veterinário e sua assistente de nome Lola. Os dois, chocados, com tamanha maldade trataram de coloca-la na carroceria da caminhonete e cobri-la com um cobertor apropriado. Mas, antes de saírem teriam que vistoriar o local para ver se tinha mais alguma coisa deixada pelos bandidos. Encontraram quatro filhotes da cadela, mortos e jogados no capinzal, só então repararam que a Fenix estava com as mamas cheias de leite.
Uma violência sem tamanho dizia o veterinário, mataram os filhotes e a deixaram para morrer enterrada viva; faria o possível para salvá-la. Enquanto o veículo se movimentava os dois policiais trataram de enterrar os filhotes da Fênix para retornar ao trabalho.
Leandro ficou tão empenhado em salvar aquele animal que se esqueceu do mal estar; agora estava bem. Pensativo, o rapaz agradecia a Deus, pois, se ele não chegasse a tempo a cadela morreria de fome e sede naquele local ermo.
Passado alguns dias Leandro recebeu um telefonema pedindo que fosse à Associação Protetora dos Animais, que a assistente queria falar com ele. Chegando ao local foi informado que a cadela estava bem e fora castrada. A Fênix quando viu o policial começou a abanar o rabo e recebeu um afago na cabeça, estava limpa e bem cuidada. Leandro ficou feliz, seu esforço fora recompensado.
Lola entrou e disse ao policial que poderia leva-la para sua casa, pois, lhe pertencia por direito; agora era seu dono. O rapaz, surpreso, disse que sua esposa não iria aceitar a cadela em sua casa. Sorrindo a moça disse que o problema estava em suas mãos e saiu da sala. Leandro pegou a cadela no colo e ela lambeu seu rosto.
Como ele poderia resistir ao carinho recebido? Saiu dali com o compromisso de cuidar da sobrevivente. Com cuidado, colocou sua nova companheira na caminhonete, seguindo para a sua chácara, onde soltou a Fênix para correr pelo gramado; não poderia abandoná-la; era um caso entre ele e Deus.

Depois de um ano a Fênix continua lá, está gorda, brincalhona e adora seu dono, faz muita festa quando ele chega, é seu amo e protetor.
Um texto de Eva Ibrahim.

sábado, 1 de junho de 2013

"CUIDE DOS MEIOS, O FIM CUIDARÁ DE SI MESMO". MAHATMA GANDHI.--PIOR QUE ERRAR É NÃO QUERER MUDAR. EVA IBRAHIM

                                            O SAPATO
A casa grande com jardim e dois carros na garagem era um sonho antigo de Fábio, que finalmente se realizara. Pudera! Pensava o homem, trabalhara muito para concretizar seu sonho; estava feliz. Ele tinha uma família bonita; uma mulher amorosa e dois filhos saudáveis. Fábio trabalhava em uma multinacional onde ganhava um bom salário e quando tudo parecia correr bem apareceram às tentações. Com a prosperidade surgiram as mulheres dando em cima dele; era um homem vistoso e cheio da grana.
A princípio ele se esquivava, mas com a insistência começou a sair com algumas conhecidas e colegas de trabalho. Uma delas, Rosana, conseguiu mexer com seu coração. O homem sentia-se atraído por ela e a moça correspondia, tornando-se sua companheira assídua. Fábio e Rosana foram ao motel na sexta-feira após o expediente e passaram horas se amando loucamente. O homem satisfeito e feliz chegou à sua casa querendo descansar, porém, encontrou a sua sogra que viera visita-los.
Pego de surpresa com a visita inesperada, Fábio sentiu que teria que ser agradável com sua sogra, para que sua esposa não suspeitasse de sua traição. Ele queria dormir cedo, estava nervoso por ter que encarar a sogra, porém, Kátia, sua esposa, tinha outros planos e ele estava incluído. O homem teria que conduzir as duas mulheres ao supermercado. Não teve jeito e ele saiu com o automóvel levando mãe e filha; elas queriam fazer compras. Quando estavam no meio do percurso, ao descer uma ladeira, uma coisa bateu no pé de Fábio e instintivamente ele olhou para ver o que estava ali no piso do automóvel. Correu um frio pela sua espinha quando viu um pé de sapato de mulher.
 -Seria de sua amante? Não se lembrava de ter visto os sapatos que Rosana usava naquele dia; não era de reparar em sapatos.
Quem deve treme e ele estava com a consciência pesada pelas inúmeras traições que vinha cometendo e imediatamente pensou que aquele sapato poderia ser de Rosana. A moça esquecera o sapato no carro quando a levou para casa. Fábio ficou nervoso, teria que se livrar do sapato antes que sua mulher percebesse a prova de sua traição.
Dirigiu por alguns quilômetros evitando as subidas para que o sapato não voltasse para trás, teria que arquitetar um plano para se livrar daquele instrumento de acusação. O homem avisou às duas mulheres, que conversavam no banco de trás, que iria parar no acostamento para ver se tinha um pneu furado, pois ouvira um barulho na roda. Mãe e filha disseram não ter ouvido nada, mas ele insistiu e parou perto de uma grande construção. Dizendo para elas olharem a construção, que ali seria um futuro supermercado, ele abaixou-se, pegou o sapato e jogou para fora do automóvel. Depois saiu satisfeito, deu a volta no veículo e voltou dizendo que se enganara. Com um sorriso alegre sentou-se ao volante, estava livre da prova do crime.
Seguiram em frente e quando chegaram ao destino, às duas mulheres começaram a procurar alguma coisa por debaixo dos bancos. Fábio perguntou o que estava ocorrendo ali e sua esposa disse que elas não achavam o sapato de sua mãe. O homem segurava o riso, havia jogado fora o sapato da sogra e não de sua amante. Não poderia deixar que percebessem o engano, iria procurar  o sapato também. Se a velha "coruja" descobrisse a verdade, jamais o perdoaria; teria que dissimular.
Empenhou-se na procura, até o banco do automóvel ele tirou e nada de aparecer o calçado da velha senhora. Fábio sabia que não estava ali e divertia-se fazendo as duas de tolas. A sogra não se conformava, dizia que seus pés estavam doendo porque os sapatos eram novos, por isso os tirara dos pés.
 – Como um deles poderia ter sumido? Ponderava a mulher, já que não havia buracos no assoalho daquele carro novo.
As duas mulheres se entreolhavam atônitas. Reviraram o automóvel e nada do sapato aparecer. Finalmente conformadas disseram que voltariam no outro dia para as compras. Porém, o homem fingindo ser um bom genro se prontificou para ir comprar chinelos para a sogra poder fazer as compras com sua esposa. Fábio adentrou ao supermercado sorridente, não acreditava no ocorrido, o passeio estava divertido.
Durante o jantar ele fingiu estar pesaroso pelo ocorrido e prometeu procurar melhor no dia seguinte; teria que consolar sua sogra. O homem foi dormir aliviado, tomaria mais cuidado, essa foi por pouco, Ufa!!!

Um texto de Eva Ibrahim, inspirado em um conto popular.

sábado, 25 de maio de 2013

"NEM TODA PEDRA É TROPEÇO, AS VEZES PODE SER DEGRAU." KLEBER NOVARTES--- TENTE ACREDITAR EM SEU PODER DE SONHAR, VOCÊ NÃO FAZ IDEIA DO QUE É CAPAZ DE REALIZAR! EVA IBRAHIM.

                                             SEM DEFESA.

O relógio despertou e eu me levantei para ir ao banheiro, estava com uma estranha fisgada na perna direita. A dor na barriga começou logo a seguir e tive que me deitar novamente. Depois de uma hora estava desesperada sentindo náuseas, vômitos e pedindo para ser conduzida ao Pronto Socorro, precisava de ajuda.
Cheguei ao Hospital com muita dor em flanco direito, parecia que estava com um estilete fincado no baixo ventre, mal podia mexer a perna. Muito nervosa temia morrer; não conseguia imaginar o que seria aquilo. Uma angustia parecia me sufocar, agravando o quadro. O desconhecido assusta e o medo contribui para desestabilizar qualquer ser humano; eu já estava aterrorizada. A entrada do prédio representava a “Caverna do Diabo” onde eu seria imolada viva. Imaginava muitos cortes jorrando sangue, era assustador.
Meu marido se posicionava como pano de fundo, nada dizia, apenas observava. Estava visivelmente atônito pela situação estabelecida. Nunca foi esperto e agora estava mais do que nunca abobalhado. Sua postura era tímida e deixava claro, que não contassem com ele, pois, tinha medo de ver sangue. Estava pálido e trêmulo, me deixando mais nervosa.
O veículo parou na emergência e um rapaz de avental branco veio com uma cadeira de rodas para me levar para dentro. Pensei em recusar, mas, a dor era muito grande o que me levou a sentar na cadeira. Fui rapidamente conduzida para uma sala ampla, onde fui colocada na maca. Na sala havia muitos aparatos hospitalares, era uma sala de emergência. Em seguida vieram duas enfermeiras e começaram a trocar minhas roupas por um avental de cor verde. Fiquei deitada, totalmente vulnerável, aguardando a chegada do médico de plantão.
Um médico jovem, sério e compenetrado começou as perguntas de praxe:
 - “Onde dói? – Como é a dor? – Há quanto tempo essa dor começou”?
Apertou a barriga, verificou os sinais vitais e depois pedindo licença saiu da sala sem nenhuma conclusão.
Fitando o teto, onde um ventilador velho e sujo girava devagar, fiquei imaginando que minha hora da passagem havia chegado. Não suportava mais aquela dor, queria um remédio forte para dormir e não ver mais nada, mas, pelo jeito teria que esperar.
Vinte longos minutos, contados no relógio da parede, se passaram e a porta foi aberta. Com o médico vieram mais dois; estes eram mais velhos e conversavam entre si. Eu estava me sentindo um rato de laboratório, pronta para as pesquisas. Enquanto trocavam ideias, me examinavam. Flexionaram minhas pernas, apertaram meu abdômen e um deles disse que parecia ser uma apendicite aguda e deveria ser operada rapidamente.
Que horror!
Eles falavam de mim e eu não conseguia dizer nada, tamanho era o medo que sentia.
Fiquei imaginando minhas vísceras de fora, tive vontade de chorar, mas as lágrimas não saiam; meus olhos estavam secos. Os médicos deixaram a sala e fiquei sozinha por um instante, em seguida entraram duas enfermeiras. Eram mulheres de meia idade e pareciam eficientes e amáveis. Elas falavam em tom suave tentando me acalmar. Uma puncionava minha veia para colher sangue, a outra me instruía sobre pertences, enfermaria e acompanhantes. Era uma enxurrada de informações.
Devo ter tomado alguma medicação, pois, a dor foi diminuindo e uma sensação de torpor tomou conta de mim. Passei a cochilar enquanto me preparavam para a cirurgia; percebia as pessoas andando e falando, mas não participava, estava longe, só ouvia. Parecia flutuar no ar. Confesso que queria ficar assim por muito tempo.
De repente duas pessoas pegaram a maca e saíram empurrando, voava através de corredores sem fim. Fiquei encolhida para me proteger; a sensação era horrível, temia que a maca batesse nos batentes das portas. Finalmente chegamos á uma sala com um enorme foco no meio, ali estava o centro cirúrgico, medonho e assustador.
Passei para a mesa e veio uma avalanche de informações sobre medicamentos. Colocaram uma porção de panos verdes sobre mim e comecei a ficar mole, fechei os olhos e fui sumindo devagar.
Será que veria a tão famosa luz que todos veem nas experiências de quase morte? A última coisa de que lembro é um médico perguntando alguma coisa que não consegui responder. Fiquei á mercê deles.
Acordei assustada, não sabia onde estava ou as horas; estava com frio e sentindo uma grande dor na barriga. Tentei levar a mão até a dor, mas, não consegui, era pesada demais e as pernas não obedeciam; era o fim. Duas lágrimas correram dos meus olhos, queria viver, amar, dançar, passear e estava ali prostrada, sem defesa.
Alguns minutos depois apareceu uma enfermeira dizendo que estava tudo bem e que a cirurgia fora um sucesso. Olhei para cima e li “Sala de Recuperação”.
 Ufa!  Ainda bem!
Estava viva, por um momento pensei haver morrido e não vi luz alguma. Nem tudo estava perdido; meu encontro com São Pedro teria que esperar, ainda era cedo para partir definitivamente.
Sonolenta, cochilei novamente. Acordei quando pegaram a maca para me levar até o quarto na enfermaria.
Rapidamente fui conduzida por aqueles corredores enormes, balançavam e a dor na barriga aumentava. A sensação era a pior possível, estava fraca e queria estar em minha casa. Fui colocada na cama da enfermaria e coberta até o pescoço. Com soro no braço e um corte na barriga, procurei ficar imóvel, com os olhos fechados. Comecei a rezar, nada poderia fazer além disto.
Alguém me chamou; abri os olhos e vi meus filhos, estavam aflitos, queriam saber como eu estava. Com a presença deles uma nova esperança surgiu em meu coração. Queria viver para ver a família crescer unida e feliz; certamente a minha presença seria importante.
Depois de três dias recebi alta hospitalar, poderia me recuperar no aconchego do meu lar. Estava bem, a dor já não incomodava tanto, mais alguns dias e ficaria em forma novamente. Meus familiares me paparicaram bastante e em um mês já estava curada. As dores se foram, mas, ficou a cicatriz com a certeza de minha fragilidade.
Esse episódio me fez refletir bastante e valorizar mais á saúde. Hoje tenho certeza que a vida é tênue, vivemos em uma corda bamba e a qualquer momento podemos cair.
 Agora, falando sério!
Andar de maca? Nunca mais. Ficamos soltos e temos a impressão que vamos ser arremessados ao chão á qualquer momento. É o pior meio de transporte que já experimentei.
Maca só se estiver mal, muito mal mesmo, que Deus me livre e guarde.
Um texto de Eva Ibrahim.
MEU MUNDO REINVENTADO.

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