É PRA CASAR.
Estava
sentada na rodoviária aguardando o embarque para minha viagem anual de férias,
quando duas jovens se aproximaram e na despedida se beijaram no rosto; um de
cada lado. Porém, a mais velha puxou a amiga dizendo que faltava um.
- Tem que ser três
beijinhos, é pra casar.
A moça partiu
e eu fiquei pensando que no século vinte e um ainda há pessoas preocupadas em
seguir rituais que as levem ao altar. O matrimonio, instituição tão desacreditada,
que facilmente se desfaz, ainda povoa a mente da maioria das mulheres. São jovens,
viúvas, separadas e homens também; todos são sensíveis ao acasalamento de papel
passado.
Como podemos
acreditar que os sonhos acabaram se os presenciamos todos os dias. Somos seres
humanos bastante desenvolvidos e práticos, mas na verdade somos seres
espirituais, tão vulneráveis quanto os nossos antepassados. Podemos constatar
esse fato nas telenovelas, nos livros, na delegacia e dentro de nossas famílias,
pois todos nós conhecemos alguém muito apaixonado. Aquele parente com cara de
bobo, que é capaz de matar por amor.
Outro dia eu
ia para o trabalho de carona com uma colega e conversávamos futilidades, isto é, "papo cabeça". Eu
estava lhe contando o assunto de uma palestra que havia assistido em um
seminário de autoajuda. O palestrante dizia que a nossa mente é poderosa e tudo
que quisermos conquistar deve partir do nosso íntimo. Podemos concretizar
nossas metas com afirmações positivas e até fotos para ficarmos receptivos aos
nossos desejos.
A minha amiga
está á procura de uma casa para comprar e eu sugeri que pregasse uma foto de
uma casa na porta da geladeira, para ver se dá certo. Com um sorriso maroto ela me
perguntou se poderia colocar uma foto de um par de alianças perto da casa.
Surpresa, eu disse que para uma mulher que havia acabado de sair de um
casamento tumultuado ela estava bastante animada. Sugeri, então, que colocasse
também os noivinhos e se possível uma foto do bolo.
Rimos
bastante, o que alegrou o nosso dia; fizemos algumas considerações sobre a
falta de bons partidos para trocar alianças, mas, concluímos que um ombro para
colocar nossas cabeças é indispensável. O aconchego é calmante e protetor.
O fato é que
a carência afetiva está nas ruas, jornais, revistas, agências de casamento e
até nas rádios. As pessoas querem consultar o tarô, horóscopos, videntes e todo
tipo de previsões que a mídia oferece. É uma fábrica para alimentar os sonhos
das pessoas, que se iludem propositalmente para escapar da solidão.
Passei a
observar o modo de cumprimentar das pessoas e me surpreendi com a quantidade de
beijinhos distribuídos em nome de um futuro casamento.
Todos querem companhia, decididamente não nascemos para
viver sós; até os mais velhos, com experiências anteriores desastrosas, querem
tentar novamente. Vale tudo
para desencalhar. Apelar para Santo Antônio com promessas, praticar rituais obsoletos e
três beijinhos, que os antigos garantem ser infalíveis.
Abri o jornal
semanal para dar uma olhada e fiquei surpresa com a notícia do casamento de uma
solteirona da vizinhança. A moça, tida como virgem e adepta dos beijinhos,
conseguira se casar. O comentário foi geral:
- Se a Lucinda
conseguiu casar, qualquer uma casa, é só seguir o ritual.
Com essa história eu quero dizer para todas as mulheres que
estiverem sós, que ainda resta uma esperança; não custa nada, é só tentar. A partir
de hoje só devem aceitar cumprimentos acompanhados de três beijinhos, porque é
pra casar.
Um
texto de Eva Ibrahim.