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sexta-feira, 24 de outubro de 2014

"QUANDO SOMOS ABANDONADOS PELO MUNDO, A SOLIDÃO É SUPERÁVEL. QUANDO SOMOS ABANDONADOS POR NÓS MESMOS, A SOLIDÃO É QUASE INCURÁVEL." AUGUSTO CURY-- VIVER SÓ, TAMBÉM É OPÇÃO. EVA IBRAHIM

OMEM FRIO 

CAPÍTULO ONZE
        Na entrada da cidade vizinha havia uma batida policial, que estava à espera de Alcir. O delegado avisara a delegacia vizinha da ocorrência na casa do rapaz e de sua fuga naquela direção. Quando ele avistou os policiais não opôs nenhuma resistência, parou a moto e, tremendo de frio, foi ao encontro dos policiais, que lhe deram voz de prisão; algemando-o em seguida. Alcir foi jogado no fundo do camburão, afinal, acabara de matar sua mulher, não merecia piedade. Ninguém ouviu sua voz, ele permaneceu calado no trajeto até a delegacia.

       A noite estava fria e ele tremia, estava enregelado, pois dirigira a motocicleta por trinta quilômetros, sem camisa. Algemado, Alcir foi colocado em frente ao delegado, estava mudo e distante. Um policial jogou sobre ele um cobertor velho ou ele acabaria morrendo de hipotermia. Alcir se enrolou no trapo velho e não abriu a boca para nada, tinha o olhar fixo no infinito; nada do que diziam parecia lhe interessar. Pensava em tirar a própria vida, assim que a oportunidade surgisse. O que aquele homem dizia, não lhe interessava; nada mais importava. 

     Cansado de esperar as explicações do rapaz, o delegado mandou coloca-lo em uma cela especial, temia que ele tentasse se suicidar. O delegado, homem experiente, sabia que o rapaz estava prestes a cometer uma loucura. Alcir passou a primeira noite preso, sentado no fundo da cela da delegacia. E, pela manhã não comeu nada e não quis ver ninguém, nem seus pais. Só pensava em Sila morta e no seu enterro, que ele não veria. Ele queria morrer também; a vida sem ela de nada valia.

Entretanto, Dirceu, que ouvia sua história, pediu que parasse, pois o restante ele já conhecia. Era hora de dormir, no dia seguinte ele sairia por aquela porta e seria um homem livre para recomeçar a vida. Teria que esquecer o passado e pensar no futuro. Alcir estava emocionado e com os olhos cheios de lágrimas, agradeceu ao amigo por ouvi-lo; sentia-se aliviado.

Mantivera aquela história guardada no fundo de seu coração e ainda doía muito. Para o mundo, que o julgava, ele criara uma armadura. Essa armadura era feita de agressividade, irresponsabilidade e descaso com o mundo. Alguns diziam que ele era louco, porém, ninguém sabia avaliar a intensidade do amor que ele sentia por Sila. Depois de oito anos, aquele amor, ainda doía em seu peito.

     Foi impossível pegar no sono, Alcir estava muito agitado, ficava imaginando como estaria o mundo lá fora. Seus pais iriam busca-lo na Penitenciária e leva-lo para casa, porém, ele temia voltar àquele lugar, que lhe trazia tantas lembranças. E, ele não queria rever a família de Sila, não queria afrontá-los com sua presença. Teria que tomar outro rumo na vida. Deixar aquela cidade e tentar viver longe dali; seria melhor para todos, disse à sua mãe.

     Sua mãe prometera segredo sobre sua liberdade condicional; juntos decidiriam o que fazer. Alcir arrumou sua mochila, era tudo que acumulara durante oito longos anos. Queria ir à Igreja, a mesma que foi palco de seu casamento. Alguma coisa lhe dizia que ali estaria a ajuda de que precisava. Queria pedir perdão e consolo a Deus, para poder seguir sua vida em paz. Sentia-se morto por dentro, perdera a capacidade de amar outra mulher.

     Teria a culpa que trazia no peito como companheira e a saudade de Sila em cada momento de sua vida. Ele fora culpado por tudo que aconteceu, porém, não poderia apagar o passado. Então, tentaria viver com todas as suas cicatrizes internas e externas que adquirira.

      Às nove horas da manhã, o carcereiro foi busca-lo na cela para leva-lo até o Diretor da Penitenciária. Os pais de Alcir estavam presentes e receberam as recomendações de praxe. O detento deveria se apresentar regularmente às autoridades e pedir autorização para mudar de endereço.

       Chegando a sua cidade ele estranhou os lugares, havia muita mudança por ali.  Novas construções, muitos automóveis, um comércio intenso e muita gente estranha circulando por ali.  O progresso chegara à pequena cidade, seria fácil andar disfarçado por entre tanta gente. Alcir ficou feliz, poderia visitar o túmulo de Sila.

     Ele não saiu de casa durante uma semana, deixou a barba crescer, comprou óculos escuros e um boné. Foi se apresentar ao delegado de sua cidade e pediu autorização para morar no interior do Estado na casa de um tio. Precisava trabalhar e lá o tio lhe daria emprego, tentaria reconstruir sua vida.

     Depois de cinco dias ele recebeu a autorização para sua mudança, porém, antes ele tinha uma coisa muito importante a fazer. O rapaz se preparou para a mudança e depois se vestiu para seu último encontro. Barbudo, de óculos escuros e boné, ninguém o reconheceria. Estacionou o automóvel de seu pai na porta do cemitério e com um ramalhete de flores adentrou ao recinto. O zelador, que acabara de abrir os portões, estranhou a presença do jovem, tão cedo, no local.

     O rapaz seguiu pela alameda central, parecia saber pra onde estava se dirigindo. O zelador o seguiu de longe, queria saber o que ele iria fazer. Chegou à frente do túmulo da moça assassinada pelo marido e depositando as flores sobre o túmulo ele se ajoelhou. 

      Aquele era o túmulo de Tarsila Azevedo, o zelador conhecia bem a história e ficou à espreita. O rapaz parecia encantado diante da foto colocada no túmulo. Fazia muito tempo que ele não via aquele sorriso, que mexia com todos os seus sentimentos. Alcir chorou muito, ficou ali durante quarenta minutos, ajoelhado no cimento e com a cabeça recostada no mármore frio do túmulo da moça. Depois, levantou-se e sem olhar para trás, seguiu até o automóvel, partindo em seguida.
O zelador coçou a barba, 
UM Hseria aquele o matador?
- Parecia tão triste e chorou muito! Pobre rapaz!

      Alcir passou em sua casa e revestido com sua armadura partiu para uma nova vida. Um homem frio e duro em suas decisões, que mantinha um silêncio que o condenava.

 Termina aqui a história de Sila e Alcir, mais um crime passional movido pelas drogas.

Um texto de Eva Ibrahim.


Iniciaremos uma nova história na próxima semana.
MEU MUNDO REINVENTADO.

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