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sexta-feira, 23 de agosto de 2013

"ESTAÇÃO SOLIDÃO", UMA HISTÓRIA CONTADA EM QUINZE CAPÍTULOS. O MISTÉRIO DA PEDRA AMARELA. O QUE PASSOU, PASSOU, NÃO DEIXE QUE O PASSADO SE TRANSFORME EM UM FANTASMA. EVA IBRAHIM.


                   ESTAÇÃO SOLIDÃO
                    CAPÍTULO 1

           Quando Antonio voltou da licença nojo, falecimento de sua esposa, ele estava diferente; parecia mais velho. Os colegas o abraçaram em solidariedade e tentavam animá-lo, mas ele estava vivendo fora do ar; uma nuvem negra pairava sobre sua cabeça. Ele parecia perdido no tempo, havia muita tristeza no olhar e sua voz mal saia para agradecer ou, talvez fosse uma fuga para não pirar de vez. A morte viera de surpresa, nunca imaginara que sua mulher fosse deixá-lo tão rapidamente. Não tiveram tempo de despedir-se, nem mesmo um abraço ou um beijo conseguiu dar no rosto inerte de Verônica.
          A notícia chegou através de um policial que foi buscá-lo no trabalho. O homem enrolou a conversa e Antonio entendeu que teria que acompanhá-lo ao Hospital, que sua esposa estava passando mal. Mas, na verdade ela já estava morta e seu corpo fora levado para o necrotério, estava na geladeira de cadáveres. Antonio teria que aguardar o corpo ser liberado depois da autópsia. Ele só conseguiu ligar para sua irmã, que morava no interior, dizendo que sua mulher estava morta, depois entrou em choque.
         O homem, abalado pela notícia, sentou-se em um banco de pedra em frente ao necrotério e estranhamente não sentia fome ou sede, estava abobalhado. Ao olhar para o edifício fúnebre do Instituto Médico-Legal, ele sentia-se cansado e angustiado; queria esgueirar-se para um canto escuro; estava no fundo do poço. Antonio fazia um grande esforço para manter a cabeça erguida e perceber a extensão do prédio, que abrigava o corpo estraçalhado de sua esposa.
Ele não conseguia chorar e sua mente só pensava no passado bem distante, quando ele conheceu Verônica e apaixonou-se por ela. Uma morena vistosa, com um vestido rosa, balançando os cabelos cacheados, que passava por ele com um sorriso enigmático e convidativo.
A primeira abordagem, a dúvida que a moça lançara no ar:
        - Iria pensar se queria sair com ele ou não. A moça foi taxativa.
        Esperara durante uma semana para saber a resposta; a dúvida agia contra ele, porque o deixava nervoso. Depois viera o tão esperado consentimento para saírem juntos. Era o que ele conseguia pensar, a imagem ficava dançando em sua frente. Dessa vez o golpe fora fatal, a pedra amarela, mais uma vez, estava agindo em sua vida com seus poderes malignos. Dessa vez atingira seu peito, que estava sangrando de tanta dor.
        O dia do casamento e a emoção que sentira ao vê-la vestida de noiva, ainda disparavam seu coração. A festa no Salão paroquial da Igreja de Nossa Senhora da Conceição e a chegada á casa onde se entregaram de corpo e alma, enchia seus pensamentos. Amanheceram alegres e felizes; realizaram um sonho de amor. O homem podia sentir o perfume de alfazema que sua Verônica usava e o antigo desejo voltava; ele queria sentir seu calor. Depois de tantos anos ainda a amava, não podia ser verdade que a morte conseguira apanhá-la.
         O Sol já se punha no horizonte quando sua irmã Nalva chegou e o tirou dali. Ele nem percebeu que ficara por cinco horas aguardando o corpo; estava estático. A irmã dissera que eles poderiam seguir para o velório, a defunta estava liberada. Antonio só viu o caixão quando estava no carro fúnebre; o ataúde estava lacrado e mal dava para reconhecer sua mulher. Com o rosto muito inchado e o corpo coberto de flores amarelas, ela parecia uma estranha. O homem indagou o porquê de tudo aquilo e a resposta foi dura.
        -Sua esposa ficara toda moída debaixo do ônibus, fizeram o que deu, isto é, colocaram os pedaços que recolheram da melhor forma possível- Disse o encarregado de óbitos.
        O homem agia friamente e aquilo incomodava o marido desconsolado. Antonio quase desmaiou só em pensar no sangue jorrando debaixo do ônibus e sua esposa sendo retirada aos pedaços pelos bombeiros.
         Ele sentiu o estômago embrulhar com aquele cheiro de crisântemos da coroa de flores que seus colegas mandaram para o velório; estava enojado. O pessoal do trabalho, algumas vizinhas e sua irmã estavam ao lado do caixão. Ainda não sabia quem pusera o terço em cima da tampa da urna, pois estava lacrada.
         -Pensando bem, que diferença faria saber ou não-? Pensou Antonio.
Havia algumas pessoas estranhas ali no local entre familiares e amigos.
        -Será que eram conhecidas da mulher ou apenas curiosas?
Queria ficar sozinho, porém, teria que manter a postura de homem civilizado. Sentia-se sujo e fedido, ainda não tinha tomado um banho depois que recebera a triste notícia. Morte, sangue, médicos, necrotério, aquela situação gerava uma aversão no íntimo dele. O homem permanecia com sua aparência de viúvo intacta, como se estivesse dentro de uma armadura de horror.
        Queria vomitar, aquela situação era insuportável; esgueirando-se entre as pessoas ele foi saindo e quando adentrou ao estacionamento despejou o que tinha no estômago. Vomitou na roda do automóvel de seu chefe. Então, respirou profundamente; sentia-se melhor. Logo depois procurou uma torneira para lavar a boca e, ficou um tempo do lado de fora tomando o ar fresco da noite. Quando melhorou voltou para perto do caixão; já era tarde da noite e ele teria que permanecer ali, afinal aquela seria a última noite que teria sua esposa presente. Só o corpo estava ali, porque a alma dela deveria estar com Deus; o velho mistério rondava a cabeça de Antonio, mas, não queria pensar nisso.                                                
         A mais longa das noites, algumas pessoas rezavam o terço, outras aguardavam do lado de fora. O dia amanheceu cinzento, igual o coração do viúvo. Na verdade ele queria sumir dali, evaporar para não presenciar aquela situação deprimente.
Mais pessoas foram chegando para o cortejo fúnebre e Antonio parecia um zumbi, mais morto que vivo. Amparado pela irmã ele não conseguiu chorar, mas, tinha um nó na garganta. Seguiu o cortejo calado, estava morto por dentro.
        Jogou uma margarida, que alguém lhe deu, sobre o caixão da falecida para ela não voltar mais e descansar em paz. Depois saiu acompanhado da irmã, seguia a passos lentos até sentar-se no automóvel do colega, que o levaria de volta para casa. Finalmente poderia ficar só para sentir sua dor. Com um rápido olhar disse adeus á Verônica. Antonio estava só, não sabia o que fazer da vida.

Um texto de Eva Ibrahim.
Continua na próxima semana. 
MEU MUNDO REINVENTADO.

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