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sexta-feira, 15 de março de 2013

"UM DIA, QUANDO OLHARES PARA TRÁS, VERÁS QUE OS DIAS MAIS BELOS FORAM AQUELES EM QUE TIVESTES QUE LUTAR"... SIGMUND FREUD---POR ISSO SE QUISER SE LEMBRAR COM SAUDADES DO DIA DE HOJE, VÁ A LUTA! --- EVA IBRAHIM


                                   UMA CABEÇA FALANTE.
         Cecília parou o automóvel em frente ao portão e acionou o controle remoto, pedindo a Deus para que seu marido estivesse dormindo. Se ele percebesse que ela estava chegando tarde, não haveria desculpa que o convencesse a ouvi-la. Seria cobrada, ofendida e teria que ficar calada mais uma vez; era sempre assim, até ele se sentir satisfeito e parar de atormentá-la. Cecília entrou na garagem e desligou o automóvel. Em silêncio fechou a porta e acionou o alarme, seguia em frente com a certeza de que Arnaldo ainda estaria acordado.
         A mulher adentrou a sala e percebeu que havia uma quietude estranha, nenhum som, apenas os passos dela no chão de madeira podiam ser ouvidos no ambiente escuro. Acendeu a luz do abajur para poder tomar ciência do que havia ali e ficou surpresa ao ver sua filha dormindo no sofá. A mulher ansiosa seguiu para o quarto. O marido estava na cama dormindo e nem se mexeu quando ela entrou. Cecília respirou aliviada, iria se enfiar na cama e dormir rapidamente.
         Mais uma vez o sono não vinha, estava agitada demais para dormir e muito perturbada com os últimos acontecimentos. Foi uma tarde de muita emoção e seus olhos estavam inchados de tanto chorar. Retornara do enterro de seu pai, que havia falecido depois de um longo período de internação no Hospital. Ele morreu de um câncer de fígado, estava na fila do transplante, mas a morte o levou antes de chegar a sua vez. Cecília foi visita-lo algumas vezes e sempre quando chegava, seu marido a ofendia dizendo que ela fora atrás de homens para namorar. Ainda bem que sua filha conseguira fazer o pai dormir antes que ela chegasse, porque não iria suportar mais uma cena daquelas; estava muito triste. Fazia tempo que Cecília não ria pra valer, sua vida tornara-se um tormento, desde que seu marido adoecera.
        Quando Arnaldo e Cecília casaram-se tinham a certeza de uma vida feliz, pois havia muito amor entre eles. O casal tinha uma boa casa e um sítio de 20 alqueires de onde tiravam o sustento da família. Plantavam cana de açúcar, criavam porcos, galinhas, patos e também algumas vacas leiteiras. O caseiro fazia horta e cuidava do sítio; havia fartura no local. Logo vieram os filhos, um casal; Cássio e Luiza e os quatro viviam felizes, uma família perfeita.
        No aniversário de dez anos de Cássio a família toda se reuniu em um grande churrasco; o clima era de festa.  Já estava escuro quando todos os convidados saíram e Arnaldo sentou-se em uma cadeira, parecia desolado. Cecília perguntou se ele estava passando mal e ele disse que estava sentindo muito cansaço e parecia que suas pernas não obedeciam a sua vontade. A mulher o aconselhou a ir deitar-se logo, pois aquilo poderia ser cansaço natural, ele trabalhara bastante nos preparativos da festa. No dia seguinte, domingo de manhã, o homem levantou-se cedo e andava arrastando as pernas; elas pareciam pesadas demais. O dia foi passando e nada de Arnaldo sentir melhoras, pelo contrário, ele começou a sentir formigamento nas pernas.
        Cecília apreensiva prometeu acompanha-lo ao médico na segunda feira. O médico pediu uma porção de exames para depois fazer uma avaliação rigorosa da fraqueza e dormência nas pernas de Arnaldo. Durante a semana foram a diversos locais para exames diferentes e cada vez o homem reclamava mais de dores nas pernas. A situação estava se agravando, ele passava a maior parte do tempo deitado na cama ou no sofá. Finalmente depois de quinze dias e uma junta médica veio o diagnostico: esclerose múltipla.
        A partir dessa data a vida naquela casa mudou completamente. Cecília e Arnaldo passaram a fazer uma busca incessante da cura da doença. No início os sintomas são transitórios e Arnaldo conseguiu ficar bem durante o primeiro mês, após o diagnóstico. Estavam animados e cheios de planos, mas durante uma caminhada no sítio, o homem perdeu as forças das pernas e ficou sentado no chão. Foi levado para a casa do sítio carregado pelo caseiro. Cecília foi busca-lo e o médico achou melhor interna-lo para novos exames. Depois de alguns dias, Arnaldo melhorou e voltou para casa mais animado; parecia estar bem; as dores diminuíram.
        O médico havia explicado à Cecília que os sintomas da doença no início, vão e voltam independente do tratamento. As manifestações da doença são remitente-recorrente e às vezes demora meses ou até anos para nova manifestação. Porém, a situação de Arnaldo não era das mais fáceis, os sintomas eram característicos e bastante graves. O homem sentia fraqueza nas pernas, visão turva e descontrole urinário. Ele foi novamente internado e quando recebeu alta parecia que a doença estava controlada, disse o médico. O casal ficara esperanço, porém, foi pura ilusão.
        Durante um ano inteiro e muitas idas e vindas aos Hospitais Arnaldo percebeu que estava se tornando um inválido; mal conseguia parar em pé, tamanho era o formigamento que sentia nas pernas fracas e bambas. Os três primeiros anos se passaram com crises de média duração, mas no quarto ano, Arnaldo não conseguia levantar as pernas, até que passou a se locomover em uma cadeira de rodas; Cecília estava desolada e fazia tudo para aliviar o sofrimento do marido, tomando conta dos negócios e dando assistência às suas necessidades. Os filhos exigiam atenção da mãe que a essa altura da vida perdera as ilusões, seu marido tinha um péssimo prognóstico e ela teria que ser forte.
         Aos poucos ele foi ficando paralisado, permanecia muito tempo na cama, sua coluna estava comprometida; não andava mais na cadeira de rodas. Os anos foram passando, as crianças crescendo e Cecília lutava com os negócios e cuidava do marido que já não tinha nenhum movimento do pescoço para baixo; seu marido ficara tetraplégico. Arnaldo, aquele moço bonito com quem, um dia, ela se casara, agora era apenas uma cabeça falante. Com lágrimas nos olhos ela virou-se para dormir, nada mais poderia fazer; o relógio marcava meia-noite. Um texto de Eva Ibrahim.

domingo, 10 de março de 2013

BÓRIS, O DESAJEITADO. ---"SAIBA VALORIZAR QUEM TE AMA. ESTES SIM, MERECEM O SEU RESPEITO. QUANTO AO RESTO, BOM, NINGUÉM NUNCA PRECISOU DE RESTOS PARA SER FELIZ". CLARICE LISPECTOR.


O CÃO E O VAGABUNDO.
           O burburinho na Rodoviária era grande, as pessoas apressadas puxavam malas e carregavam bolsas pesadas; até crianças levavam mochilas nas costas. A correria era intensa, pois o feriado fez com que o fim de semana ficasse mais longo e todos queriam viajar. O ônibus que iria para a capital estava atrasado e se formara um aglomerado de gente inquieta. Muita conversa e reclamações faziam a fila serpentear para os lados perdendo sua forma original.           
           Ninguém viu de onde surgiu um homem visivelmente bêbado, cambaleava e falava coisas sem sentido. Ele começou a incomodar as pessoas que estavam na fila pedindo dinheiro e cigarros. As pessoas ansiosas ficavam de costas, outros disfarçavam para fugir daquela conversa inoportuna. Cada pessoa estava focada em embarcar o mais rápido possível e fugir daquela aglomeração.
           De repente apareceu um cachorro Rottweiler preto, velho e manso; seus cotovelos estavam gastos e seu corpanzil parecia flácido, isto é, magro. Ele chegou rápido e foi lamber a mão daquele homem, que mais parecia um farrapo humano. O bêbado  olhou para ele e ordenou com o dedo indicador em riste, que ficasse sentado ali, naquele lugar. O cão, que deveria pertencer ao molambo, ergueu as patas para que ele as segurasse, mas, ele ignorou a atitude do cão e reforçou a ordem dada em tom exacerbado.
             Extático, o cachorro permaneceu sentado, somente as orelhas estavam alertas esperando uma contra ordem para sair dali. O vagabundo andava e olhava para trás para ter certeza que o cão obedecera a sua ordem. O homem parou para conversar com outro bêbado e o rottweiler permanecia no mesmo lugar. As pessoas que estavam alvoroçadas pararam para observar a cena, era incrível como o cachorro obedecia á ordem de seu dono. Não havia outra explicação para uma atitude tão servil e aquele bêbado com certeza não tinha comida para alimentar um cachorro daquele tamanho.
            Durante dez minutos o rottweiler permaneceu sentado no chão sem tirar os olhos do dono, que agora conversava com outra pessoa. A atenção das pessoas foi concentrada na situação inédita em que o poder do vagabundo sobre o cachorro era de se admirar. De repente o homem foi andando e o cachorro erguia as orelhas quase pedindo socorro, mas, em sua completa fidelidade ele não saiu do lugar. Quando o bêbado lembrou-se do cão, já estava á cinquenta metros de distância e ai ele assoviou e o cachorro mais feliz do mundo saiu correndo para lamber a mão do homem, que cheirava á álcool. Ali estava a prova de que o cão é o maior amigo do homem, seja ele quem for. O amor incondicional pelo seu dono e a obediência total.
Os dois, o cão e o vagabundo, deixaram a Rodoviária e seguiram seu caminho diante dos olhares espantados das pessoas. Um texto de Eva Ibrahim.
MEU MUNDO REINVENTADO.

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